No final da década de 1930, Alfred Hitchcock faria um de seus melhores filmes (senão o melhor!). Lembrando muito o gênero e o clima investigativo de Agatha Christie e Sir Arthur Conan Doyle, A Dama Oculta (The Lady Vanishes, 1938) é estranhamente delicado para o estilo do diretor que, geralmente, é bem mais violento do que se mostra nessa envolvente e extraordinária obra.
Baseado no romance de Ethel Lina White, a película conta a história de Iris (Margaret Lockwood), uma jovem que, durante uma viagem de trem de volta à Inglaterra, faz amizade com a Sra. Froy (May Whitty), uma simpática e solícita senhora. No entanto, depois de cochilar, ela percebe que sua nova amiga havia desaparecido e ninguém mais no trem se lembrava de tê-la vista. Iris então começa a duvidar de sua própria sanidade.
Com o talento e a genialidade que lhe são peculiares, Hitchcock imprime sua marca na obra literária de White e o resultado é um filme tão instigante quanto delicioso de se assistir. O suspense tenso do enredo é constantemente entremeado de cenas hilárias que nos fazem sorrir em vários momentos, mas sem comprometer o clima de mistério que dá mote à história.
Sendo assim, quando Iris percebe o desparecimento da velhinha e começa a alardear o estranho fato de que ninguém se lembrava dela, parece se tornar um confuso Watson que, prontamente, encontra seu Sherlock Holmes na figura de Gilbert (Michael Redgrave), um homem que, na noite anterior, irritou-a profundamente ao invadir seu quarto numa daquelas divertidas cenas já mencionadas. Esse é o momento, portanto, em que referências ao famoso Um Estudo em Vermelho, de Sir Arthur Conan Doyle explodem em nossas cabeças, ainda mais reforçadas quando Gilbert, para fazer graça, coloca um chapéu igual ao usado por Holmes e oferece a Iris um cigarro, uma pista importante na história do icônico detetive. Por outro lado, por se passar em um trem, o clima de Agatha Christie em Assassinato No Expresso Oriente também se faz sentir na película de Hitchcock, embora de forma mais fraca. Assim, seria difícil que A Dama Oculta desse errado.
Longe disso, o roteiro ágil e eficiente do filme nos faz mergulhar na trama enquanto acompanhamos Iris e Gilbert (nenhum dos dois detetives como Holmes ou Poirot) em sua investigação amadora, mas não menos instigante. Ambos cativantes, passeiam no meio de outros personagens extremamente caricaturais e situações esdrúxulas que, apesar disso, de alguma forma se encaixam perfeitamente na proposta da obra.
Por outro lado, não há surpresa quando o tom político da película se revela, mesmo que cuidadosamente abordado e não completamente ostensivo – estamos falando, afinal, da época da Segunda Guerra Mundial. Entretanto, até isso serviu para nos brindar com o fechamento brilhante e satisfatório que o filme oferece.
Por essas e outras, entre a curiosidade e as risadas é que A Dama Oculta se destaca até mesmo no vasto e incrível legado de Hitchcock, mais uma de suas obras maravilhosas que permanecerão para sempre como uma escola de fazer cinema e de contar histórias.