Crítica de filme

Crítica | Annette

Publicado 3 anos atrás

No meu show de stand up preferido de todos os tempos, Bo Burnham: Make Happy, o comediante que dá nome ao espetáculo assume, já no final, que se tratava de um show sobre performance artística. A apresentação consiste numa união perfeita entre comédia stand up e sessão musical – bem parecido com o show de Henry McHenry, personagem de Adam Driver que julgo ter como inspiração hiperbólica a persona de Bo no palco. Mas porque isso é importante para Annette?

Percebo que o próprio filme de Leos Carax também tem essa ambição. O longa tem início com um número musical contagiante onde a noção de diegético e extra-diegético se confunde, os personagens não parecem cantar “entre eles” para exteriorizar uma emoção – como de práxis em musicais – mas sim para nós, a audiência que assiste ao filme – eles não chegam a encarar diretamente a câmera, quebrando a quarta parede, mas olham sobre a própria, em sinal literalmente de reverência (todos de joelhos perante o público, enquanto pedem para sentarmos e calarmos a boca).

A pergunta feita ainda por essa música inicial é estonteante e reveladora “(…) Mas onde é o palco, você se pergunta: é fora ou é dentro?” – uma instigante indagação sobre a própria natureza do filme, a busca inerente dos personagens pelo palco, pela apresentação, mas também sobre o ambiente da narrativa: um amálgama de performance artística diegética (os personagens exercendo seus ofícios, que por acaso tem relação com cantar) e irrupção musical (quando o universo narrado toma caráter onírico, e o público que acompanha essas performances começa a cantar junto, ganhando facetas de um musical clássico). Afinal, onde é o palco? 

Annette, nome dado ao filme e à filha do casal, nasce de um amor basicamente cantado, performático, e a personagem é propositalmente – alô Crepúsculo Amanhecer – Parte 2 – parecida com uma boneca. Isso gera inúmeras possibilidades interpretativas, uma delas é que a criança é uma manifestação da artificialidade da relação de seus pais, outra é, tendo nascido a partir de uma performance, ela é (literalmente) moldável. Todavia, a mais interessante talvez seja o fato de que como o nome se repete (no filme e na criança), temos a expressão absoluta de domínio do autor sobre nós: Carax mostra que assim como os pais manipulam a criança, ele nos manipula. Como surgiu na discussão com meus amigos Arthur Linden e Rafael Rodrigues, Carax é basicamente um ventríloquo controlando o filme por cordinhas.

Annette é um filme com uma profunda camada de significados explícitos e implícitos, mas é também um musical muito bem dirigido capaz de agradar o espectador comum. 

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Annette Destaque
País: EUA
Idioma: Inglês

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