Eu só assisti a um filme do Oscar 2022 mais de uma vez, este aqui. A Pior Pessoa do Mundo (The Worst Person in the World) é delicioso de se acompanhar, e ouso considerá-lo meu filme preferido dessa temporada: notem que disse filme preferido, não o melhor (que provavelmente seria Drive my Car).
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O longa dirigido por Joachim Trier é desenvolvido explicitando parte de seus arcos dramáticos, dividindo o filme em 12 capítulos, um prólogo e um epílogo. Lembro de ler algum crítico (que por ora, ficarei devendo o nome) dizendo que nos créditos iniciais já dá pra saber se um filme é muito bom – e de fato, sermos impactados com a (no mínimo incomum) divisão da narrativa já mostra algo de diferente na obra.
Julie, que em breve fará 30 anos, não parece conseguir se assentar. Quando pensa ter encontrado alguma estabilidade com Aksel, um escritor de sucesso de 45 anos, conhece o jovem e bonito Eivind. Premiado no Festival de Cannes, este é um filme inteligente e emocionante sobre a busca de amor e de sentido na vida de hoje.
A referida questão da “busca de sentido” que é citada na péssima sinopse acima é de fato a questão do filme – a inquietação da protagonista é o que leva a história para frente. Começamos o prólogo com Julie como uma das melhores estudantes da faculdade de medicina de Oslo. De repente, na primeira epifania (digamos assim) da protagonista, ela decide largar não só o curso, mas o namorado. Somente no prólogo ela vai de estudante de psicologia à fotógrafa, de namorada do professor à namorada de um modelo, e só aí conhece Aksel. O começo de seu relacionamento com ele inicia de fato o primeiro dos 12 capítulos do filme (lembrando que estamos falando de uma obra de menos de 2h 10min).
Sendo assim, se pudesse definir A Pior Pessoa do Mundo em uma palavra, seria busca, mas não uma busca desesperada, como é em um exemplo extremo As Vinhas da Ira (1940) de John Ford, nem uma busca por sobrevivência na selva capitalista, mas uma busca por conforto na sociedade pós-moderna.
A geração conhecida como Millennials (nascidos, a grosso modo, entre 1980 e 1991) é bem diferente da anterior, a Geração X (nascidos em meados de 1960 até o final da década de 70). Enquanto a geração X é muito mais apegada a empregos fixos, casa própria e segurança acima de tudo, os Millenials tendem a ser muito mais fluidos, circulando em empregos e carreiras diferentes durante a vida. É a clássica dialética de segurança e liberdade: quem tem muita segurança tende a ter pouca liberdade, quem tem muita liberdade tende a ter pouca segurança.
Dessa forma, o drama do filme é o drama da geração: a desconfortável busca por conforto (sem abrir mão da liberdade). O longa, porém, oferece uma sensação de satisfação na busca por satisfação. Talvez por conseguirmos nos conectar com a protagonista de imediato – muito por conta de ser tão bem escrita e interpretada (Renate Reinsve tem a melhor atuação da temporada e é um absurdo ela não ter sido nem indicada ao Oscar) – nós também nos engajamos na busca.
Ademais, a ironia controlada do filme funciona tão bem que chega a impressionar. O filme sabe organizar a comicidade dos acontecimentos e dos diálogos em meio a assuntos sérios, mas sem desrespeitar a seriedade do tópico. Um exemplo claro disso é o Capítulo 3 do filme, nomeado “Capítulo 3: O sexo oral na era do #MeToo“.
A Pior Pessoa do Mundo foi indicado a 2 Oscars, o de Melhor Roteiro Original e o de Melhor Filme Internacional e, além de outros festivais, teve a nomeação de Joachim Trier à Palma de Ouro e a vitória (muito justa, quase óbvia) de Renate Reinsve como melhor atriz no festival de Cannes.
A busca pela felicidade é justificável, mas quem sabe – como mostra o filme – a felicidade não está na própria busca.