“O que é Lar pra você?” “Lar é um lugar seguro, um lugar que você sabe que pode ficar, que não precisa sair. Não é um lugar temporário”. Somos impactados com esse diálogo já no primeiro minuto de Flee – A Fuga e o próprio título, de imediato, já toma contornos dramáticos.
Amin era menor quando chegou à Dinamarca sozinho, vindo do Afeganistão. Hoje, com 36 anos, é um acadêmico de sucesso e está noivo do seu namorado. Mas há mais de 20 anos esconde um segredo que começa a ameaçar arruinar a vida que construiu para si. Amin, pela primeira vez, partilha a sua história com um amigo chegado.
O primeiro ponto a se chamar a atenção é que o filme é narrado em primeira pessoa num formato pouco convencional: em entrevista. Além disso, o docudrama é animado, o que dá ao longa uma ambiguidade poética de estar relatando memórias do passado, ao mesmo tempo que inova (de novo) no formato em que a história é contada. O traço e as cores dão um caráter quase onírico à algumas das imagens.
É quase instintivo, portanto, fazer a relação entre Flee e Persépolis (2007), filme baseado no livro em quadrinhos autobiográfico de Marjane Satrapi. Ambos abordam o tema da oposição a governos totalitários. Neste, a família do entrevistado é absolutamente afetada e, por isso, o protagonista acaba se refugiando na Dinamarca. No outro a própria personagem principal vai contra as imposições fundamentalistas empregadas especialmente às mulheres. Mas não é apenas isso, já que, por serem filmes animados, a relação fica ainda mais inevitável.
Porém, o mais notável, talvez, seja o fato de ambos os filmes tocarem em assuntos tão fortes e tão necessários – o tal do “tabu” – em traços (ditos) infantis. É claro que nas últimas duas décadas, graças a grandes empresas como a Pixar, a animação vem deixando de ser algo “para crianças” – algo de que discordo fortemente, já que se formos lá atrás em Fantasia (1940), veremos um clássico animado absoluto que, apesar de ter como principal público alvo, de fato, as crianças, é totalmente capaz de entreter os adultos. Meu ponto principal, no entanto, é chamar a atenção para o fato de que precisamos tratar a animação, ou o “desenho”, como preferirem, como só uma das várias formas de se produzir cinema. Quando condideramos um filme animado como algo exclusivamente infantil, estamos sendo, sem qualquer dúvida, reducionistas.
Por fim, Flee é, como citado acima, um amontoado de memórias baseadas não só na entrevista – que é brilhantemente conduzida -, mas no relato contido no caderno do protagonista, escrito anos e anos atrás. Os desenhos são intercalados por imagens “reais” capturados em 8mm, o que só aumenta um pouco da inventividade da forma.
Não sei se foi essa inventividade toda que me desloca um pouco da história, ou o simples fato de não ter conseguido me conectar com a forma lenta e monótona que o entrevistado se comunica… mas algo ali fez com que eu só quisesse que o filme acabasse.
Não ouso dizer que é ruim, até porque, como supradito, é um longa ambicioso e sem dúvida vem tendo sucesso no circuito de festivais dessa temporada. Apenas digo que, apesar de reconhecer suas inúmeras qualidades, e principalmente a importância de seu conteúdo (além de ter entrado no longa com uma expectativa alta, o que nunca é ideal), simplesmente não consegui me conectar com a história – e pode-se culpar mais a mim que ao filme. Quem sabe em breve o revejo e mudo de opinião… Às vezes só não estava na vibe que a história quer proporcionar.
Flee vem pra fazer história no Oscar como o primeiro filme a ser indicado a Melhor Filme Animado, Melhor Filme Internacional e Melhor Documentário.