A mitologia nórdica sempre se fez presente na cultura pop. Desde formas mais óbvias, como o Thor da Marvel, passando por jogos como Assassin’s Creed: Valhalla, a série Vikings, da Netflix, até lugares improváveis como o anime Os Cavaleiros do Zodíaco. Não é difícil encontrar alguém que se diga fascinado pela cultura viking e sua mitologia repleta de deuses e batalhas sangrentas.
Chega essa semana aos cinemas mais uma produção voltada para a temática, mas desta vez pelas mãos de um diretor que busca uma perspectiva menos romantizada desse povo. O Homem do Norte, de Robert Eggers, conta a história do Príncipe Amleth (Alexander Skarsgard) que, quando pequeno, jura vingança contra seu tio Fjolnir (Claes Bang) que matou e usurpou o trono de seu pai, o Rei Aurvandil (Ethan Hawke).
Partindo de uma premissa relativamente simples, Eggers se utiliza dela para discutir o conceito de honra e questionar o valor da vingança. A jornada de Amleth não é tão diferente de outro personagem clássico da literatura mundial de nome similar. Isso se dá pois ambos bebem da mesma fonte para contar suas histórias. O conto de Amleth, obra datada do início do século XIII, é o ponto de partida tanto para esse longa quanto para o Hamlet de Shakespeare. No entanto, saem os fantasmas que atormentavam o Príncipe da Dinamarca e entram as Nornas, anciãs imortais que tecem o fio do destino dos homens a partir da árvore Yggdrasil, o centro do universo.
Essas e outras referências à mitologia nórdica permeiam todo o filme, o que é um prato cheio para os conhecedores, mas que pode alienar aqueles não tão familiarizados com essa cultura. Odin, Frey, Fenrir, entre outras figuras mitológicas marcam presença e são tratados como realidade em O Homem do Norte e podem ser até interpretados como pistas para descobrirmos as reais intenções de certos personagens.
Em seu trabalho mais acessível depois dos excelentes, mas complexos, A Bruxa e O Farol, Eggers desta vez opta por uma mensagem mais clara em seu desenvolvimento. Mesmo com todas as representações fantásticas da cultura nórdica, o diretor não se deixa levar pelo lado romântico e representa seus vikings como eram: selvagens que não perdiam a chance de estuprar, matar e destruir tudo que viam pela frente. Mostrados em parte como animais, eles grunhem e uivam antes de um ataque.
Essa desmitificação também é representada pela própria história em seu ponto de virada mais importante, onde o próprio Amleth se vê obrigado a reconhecer que aquilo que via como honra e virtude nada mais era do que uma sede de poder insaciável. A escolha final de Amleth não é apenas a decisão acertada, mas também a única possível: garantir a sobrevivência de quem ama ao mesmo tempo que encerra um ciclo vicioso de violência.
Mesmo sendo uma versão mais palatável de suas obras, não quer dizer que o longa não seja ambicioso. Visualmente falando, O Homem do Norte é um espetáculo à parte com sua fotografia alternando entre um cinza desolador e cores quentes, e também o uso dos espaços, ora claustrofóbicos, ora amplos, retratando o isolamento da área controlada por Fjolnir. O clímax nos portões do inferno, ou de Hel, deusa da morte, remete ao embate final de Star Wars – Episódio III: A Vingança dos Sith, com seu vermelho incandescente rodeando inimigos mortais.
Com cenas de ação pontuais, mas bem dirigidas, O Homem do Norte pende muito mais para o arco dramático de Amleth, sua busca por vingança e eventual redenção. A mensagem que fica é a mesma de um grande pensador do século passado, Seu Madruga: a vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena.