Crítica de filme

Crítica | Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte Um

Publicado 1 ano atrás
Nota do(a) autor(a): 4.5

Tom Cruise é uma pessoa complexa. Se o lado pessoal é envolto em escândalos e relatos de relacionamentos abusivos, muito por causa da sua defesa da cientologia, o lado artístico tem se transformado nos últimos anos de um dos maiores galãs do cinema americano em um dos últimos bastiões em defesa da arte cinematográfica. Na era dos streamings e lançamentos simultâneos em plataformas que se preocupam muito mais com a quantidade do que a qualidade, Tom Cruise fez uso de sua influência em Hollywood: bateu o pé para que seu Top Gun: Maverick fosse lançado exclusivamente nos cinemas e fez questão que o filme só chegasse ao streaming seis meses depois da estreia na tela grande. A aposta deu certo e o filme se tornou uma das maiores bilheterias do pós-pandemia e a maior bilheteria de sua carreira, além de um Oscar. Feito isso, Cruise pôde dedicar-se a encerrar sua maior franquia. Depois de vários atrasos e mudanças de datas, a primeira parte de capítulo final da saga Missão: Impossível finalmente chega (exclusivamente, claro) aos cinemas.

Leia nossa crítica de Top Gun: Maverick

Coincidência ou não, o inimigo deste Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte Um é justamente uma inteligência artificial. Um algoritmo. A Entidade, como é chamada, é um sistema que adquire consciência e passa a ser disputada pelas nações do mundo para ser usada como uma arma de desinformação, alterando dados, vozes e imagens com perfeição. É interessante notar que por mais fantasioso que possa parecer a descrição dessa tecnologia, ela está muito perto da nossa realidade, acostumada às pós-verdades criadas por fake news, deep fakes e afins. Mais atual que isso, impossível. E para tomar esse novo poder começa uma corrida para que se encontre as duas partes de uma chave que supostamente guarda esse sistema. Mais uma vez desautorizado por seu país, que obviamente também tem interesse em usar A Entidade em causa própria, Ethan Hunt entra no jogo para destruí-la antes que uma nova guerra mundial tenha início.

Tom Cruise, junto do diretor e roteirista Christopher McQuarrie, parece usar deste filme para fazer um manifesto contra as práticas atuais dos estúdios e plataformas de streaming. Isto fica claro em um dos diálogos do filme em que o personagem de Cruise se recusa a aceitar que a única forma de realizar a missão é abandonar toda e qualquer emoção, sendo frio e racional sobre o que deve ser feito, em clara alusão às dezenas de produções que são realizadas apenas para atender demandas do mercado. Filmes-algoritmo sem qualquer criatividade ou emoções. Zeros e uns.

Essa dicotomia entre o analógico e o digital, o humano e o real, é o que vai permear todo o longa, seja dentro do seu espaço fílmico quanto fora dele. Na trama nós vemos a equipe principal tendo que se virar sem suas bugigangas ultramodernas, até as armas de fogo dão espaço para armas brancas variadas, e o clímax que se dá em um trem a vapor. Enquanto isso, em sua produção, a busca de um realismo maior para as cenas de ação, de ter efeitos práticos ao invés de digitais dialogam diretamente com a história do filme. Não que o filme não seja cheio de efeitos visuais gerados por computador, mas não são esses que importam. As grandes cenas de ação focam na quebra da barreira entre o que é ilusão e o que é real. Os riscos claramente são mais reais e atraem mais a nossa atenção quando sabemos que quem está ali são atores de verdade.

Falando no elenco, além de se cercar da sua “família” IMF (em português, Força Missão Impossível), com Simon Pegg e Ving Rhames, temos ainda a Ilsa Faust de Rebecca Ferguson retornando à série. A virada da série em Protocolo Fantasma, seguido de Nação Secreta e Efeito Fallout, criou uma estrutura sólida para crermos na relação existente entre eles, sem falar na química entre os atores. Por mais que cada missão seja, ahem impossível, a sensação de perigo criada para este filme nos faz temer pelo destino desses personagens. Mas é claro que a cada episódio da saga novos membros são adicionados a equipe e o destaque fica para Hayley Atwell (a agente Carter da série de filmes da Marvel). Sua personagem é uma habilidosa ladra que acaba ficando no fogo cruzado entre aqueles que querem tomar A Entidade para si e o grupo de Hunt. Atwell e Cruise fazem um ótimo par e juntos garantem momentos engraçados e leves para a trama.

Encabeçando os vilões do longa, temos a ameaça dupla de Gabriel (Esai Morales), que é tanto um mensageiro dA Entidade quanto um desafeto do passado de Ethan Hunt. Morales constrói uma figura que, embora não tão desenvolvida (lembrando que essa é a primeira parte da história), se mostra uma ameaça real a Hunt e seus amigos. Acompanhado dele, a Paris de Pom Klementieff (sem a pesada maquiagem de Mantis em Guardiões da Galáxia) faz muito apesar do seu pouco tempo de tela, exibindo uma obsessão por morte e destruição em boas cenas de ação. Fechando o grupo de antagonistas da trama, temos o retorno de Kittridge, personagem do primeiro filme da série interpretado por Henry Czerny, representando a ambição americana, junto dos seus agentes um pouco atrapalhados, Jasper (Shea Whigham, pai de Gwen Stacy em Homem-Aranha Através do Aranhaverso) e Degas (Greg Tarzan Davis).

Todos os elementos acima citados já seriam o suficiente para um longa interessante, mas Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte Um é acima de tudo um filme de ação. E merece ser visto na maior tela possível e com o melhor sistema de som disponível. A sensação de escala que Christopher McQuarrie imprime na tela é inigualável. O que Brad Bird começou no quarto filme da série, Protocolo Fantasma, McQuarrie aprimorou e refinou ao longo dos três filmes seguintes. As duas horas e quarenta minutos do longa passam despercebidos tendo em vista a montanha-russa quase ininterrupta em que somos imersos, passando por vários países, diferentes cenários, perseguições de carro (com direito a referência ao personagem do mangá e anime Lupin III) e o jogo de gato e rato que estamos acostumados. Tudo isso nos leva para o clímax da cena alardeada em todas as peças de marketing do filme: o salto de Cruise no abismo em uma motocicleta. O toque de gênio desta cena fica para o design de som, que sabiamente deixa apenas o silêncio nos primeiros segundos do salto, possibilitando que ouçamos a plateia suspirar alto diante de tal feito. Cinema puro.

Por ser a metade de uma história, várias pontas soltas ficam para serem resolvidas no derradeiro capítulo da saga de Ethan Hunt. Se ele vai conseguir salvar seus amigos e o mundo nós só vamos saber ano que vem, quando a parte 2 de Acerto de Contas chegar aos cinemas. O que já sabemos é que Tom Cruise mais uma vez salvou o Cinema.

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missão impossível acerto de contas poster
País: EUA
Direção: Christopher McQuarrie
Roteiro: Erik Jendresen, Christopher McQuarrie
Idioma: Inglês

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