Longe da tela grande desde o live-action As Tartarugas Ninja: Fora das Sombras (2016), a franquia que foi fenômeno nos anos 90 está de volta em uma nova animação, algo que não acontecia desde 2007. As Tartarugas Ninja – Caos Mutante tem a missão dupla de reapresentar os personagens para o grande público e atualizá-los para os dias de hoje. Idealizado pelo produtor e roteirista Seth Rogen (que também dá voz ao personagem Bebop), o longa não só é bem-sucedido em sua missão como também é capaz de resgatar a origem dos personagens, criados em 1983 por Kevin Eastman e Peter Laird.
A nova versão segue fielmente a origem das quatro tartarugas: expostos a uma substância desconhecida, aqui batizada de gosma, nos esgotos de Nova York, eles passam de simples tartarugas para seres mutantes com características e intelecto humano. Encontrados por outro mutante, o rato antropomorfo Splinter (Jackie Chan na voz original), serão treinados na arte do ninjutsu para se defenderem dos temíveis humanos da superfície que querem fazer experimentos com eles (e talvez até ordenhá-los).
A tradução do título original (Teenage Mutant Ninja Turtles) para o português sempre deixou de lado dois aspectos muito importantes que definem esses personagens. As tartarugas não são apenas ninjas, mas também adolescentes e mutantes. Uma das grandes qualidades do longa é justamente o aspecto adolescente delas. Por mais que tenham treinamento ninja, Donatello, Michelangelo, Rafael, e Leonardo são, acima de tudo, adolescentes. Diferente de versões anteriores onde o visual das tartarugas sempre foi de serem grandes e musculosos, o longa investe em um visual mais esguio e até mesmo as vozes dos personagens refletem essa adolescência. Donatello, por exemplo, tem uma voz esganiçada, típica de um adolescente na fase da puberdade. E são genuínos adolescentes de 2023: não desgrudam das redes sociais, adoram anime (várias referências que vão de Akira até Jujutsu Kaisen, passando por Attack on Titan, algumas delas até bem relevantes para a história) e, como sempre, não dispensam uma boa pizza. Contudo, a maior característica desse lado adolescente é também um dos temas principais do filme: a busca em ser aceito do jeito que são. Relegadas aos esgotos por causa da repulsa aos humanos de Splinter, elas anseiam pelo dia em que poderão sair para superfície sem medo de serem execrados pelas suas condições. Até o ato de frenquentar a escola é um desejo latente desses jovens que só querem uma vida normal.
Esse assunto facilmente poderia carregar o longa com tintas mais dramáticas, mas o roteiro de Seth Rogen, Evan Goldberg e Jeff Rowe (co-diretor junto com Kyler Spears) está longe disso, enchendo a trama de momentos engraçados, especialmente na forma como os quatro personagens principais interagem, marca registrada das obras de Rogen e Goldberg e que também foi utilizada aqui ao realizar a gravação das vozes em conjunto ao invés de individualmente, estimulando uma naturalidade maior aos diálogos. Vale dizer que a versão dublada atinge sucesso parecido com ótimas interpretações e uma tradução inspirada do texto original.
A questão mutante, que dá nome ao filme, também reflete o tema de aceitação, visto que os inimigos são mutantes iguais às tartarugas, mas com ideiais opostos. Vítimas de experimentos, o Super Mosca quer a extinção dos humanos em troca da criação de novos mutantes. Isso é outro positivo do longa, uma vez que ao não utilizar o clássico vilão Destruidor como antagonista, investe em um embate que é mais do que apenas um “bem contra o mal” clichê. As tartarugas reconhecem Super Mosca e sua gangue como iguais, desenvolvendo uma simpatia por eles no início que inevitavelmente vai colocá-los em lados ideologicamente opostos uma vez que o plano de Mosca se revela.
Fechando o tema do filme temos também a perspectiva humana através da personagem April O’Neil, aqui ainda uma estudante que sonha em trabalhar como jornalista investigativa. Ela, assim como as tartarugas e os outros mutantes, procura ser aceita depois de um evento, digamos, peculiar, que a tornou uma pária dentro da própria escola. O encontro dela com as tartarugas é a sua chance de redenção ao mesmo tempo que é algo que vai fazê-la repensar o seu lugar no mundo.
Seria impossível concluir essa crítica sem destacar o deslumbre visual que é As Tartarugas Ninja – Caos Mutante. Claramente inspirado em Homem-Aranha no Aranhaverso, o filme, no entanto, não se contenta em copiar o estilo de seu antecessor espiritual e cria a partir dele uma Nova Iorque estilizada que remete aos grafites e a arte de rua em geral, como se fossem pintados a mão, com seus pequenos defeitos e rebarbas. A combinação desse estilo com a animação gera movimentos fluídos e cenas de ação eletrizantes, embalados em uma trilha repleta de hip-hop a cargo dos aclamados Trent Reznor e Atticus Ross, honrando as origens undergounds das tartarugas de Eastman e Laird. Cowabunga da melhor qualidade
Uma resposta
Excelente texto, Nick, contempla aspectos relevantes do filme, assim como as características técnicas que que se destacam na obra.