O gênero biográfico não é para os fracos de coração! – falando de pessoas que idealizam esse tipo de projeto, no caso.
Confesso que se eu fosse cineasta, não toparia a missão de retratar os longos anos da vida e legado de um(a) artista, pois a escolha do recorte que vai ser colocado na tela tem que ser muito bem selecionado, principalmente quando a pessoa em si é “certinha”.
É raro ver um cantor que não está nem aí para o uso de substâncias químicas, como é o caso de Gal Costa, mas infelizmente essa parte sempre tem muito destaque nos filmes biográficos, o que para mim é um recurso apelativo para inserir um pouco de dramaticidade no enredo. Acredito que existem formas melhores de humanizar uma pessoa famosa para além de suas dependências.
E sem isso, o que tem pra ser contado em Meu nome é Gal? Muita coisa, e nada ao mesmo tempo.
Para quem é jovem e não está em dia com a história brasileira e seus movimentos, a narrativa será um tanto quanto confusa e nem vai parecer uma história linear, já que o filme captura muito mais o estado de espírito de Gal do que sua história nas décadas de 60 e 70. Embora seja uma das maiores vozes do Brasil, Sophie Charlotte, que a interpreta, mostrou um lado de solidão e melancolia que apenas um período de ditadura pode causar em uma pessoa. E quem estava lá, vivendo uma época tão tenebrosa para nossa história, vai sentir algumas pontadas no espírito enquanto acompanha o filme.
Mas entrando na parte revolucionária da vida de Gal, tivemos um resumo de como a Tropicália começou, porém, senti falta de ver os impactos que o grupo causou como movimento e não apenas artístico. Foi mencionado que a cantora era resistente a mudanças em seu estilo musical, mas será que ela também mostrou hesitação no assunto ditadura? Eu não estava lá, mas de alguma forma, acho difícil acreditar que em uma época como essa ela iria querer viver à paisana.
Não ser tão inflamada como seus amigos Caetano e Gil é uma atitude compreensível, mas não ter nenhum interesse pelo momento político foi uma escorregada no roteiro, especialmente quando vemos as coisas que ela realizou durante e pós ditadura.
No entanto, se tem uma coisa que achei espetacular em Meu nome é Gal foi a estética do filme. Jamais perdoarei Dandara Ferreira por me despertar o desejo de viver numa casa comunitária na cidade do Rio de Janeiro em plena época de ditadura enquanto vivo de arte, festas e tardes ouvindo violão na praia com a panelinha de Caetano e cia.
O projeto tem o poder gigante de transportar o espectador para aquele cenário e, mais do que isso, fazer sentir as dores de Gal, que embora tivesse uma voz poderosíssima, era tomada de uma humildade e modéstia ímpar.
Não importa o quão celebrada fosse, ela carregava dentro de si essa menina tímida que não está muito interessada em ser famosa, mas só quer cantar e ser ouvida. E como é difícil para os introvertidos se enxergarem em lendas, não é mesmo?
Duas horas de filme é pouco para abordar uma vida tão gigante, mas as escolhas de Ricky Hiraoka e Lô Politi como roteiristas me passaram a sensação de retratar a vida de Gal como uma crescente sem fim, nada de ascensão e queda na vida da cantora. Sua voz só tem uma tarefa: aumentar por onde passa.
Seu sucesso não teve nenhuma consequência negativa ou demérito, por mais que teria sido legal ver uma trajetória mais detalhada e a reação das pessoas ao descobrirem a Gal como cantora, a ambientação do filme – com trechos de alguns momentos daquela época revela o que precisa ser mostrado. Como uma poesia que não carece de muitos detalhes para ser profunda e bela.