Quando deixei a sessão de Segredos de um Escândalo tive certa dificuldade para processar o que eu tinha acabado de assistir. Pensei que o tempo iria diluir a narrativa para que eu tivesse uma opinião mais concreta sobre os conflitos centrados em Elizabeth (Natalie Portman), Gracie (Julianne Moore) e Joe (Charles Melton). Depois de horas para digerir, eu não tinha esquecido o sentimento de estranheza e desconforto que aquelas pessoas me causaram em quase 2 horas de tela, e foi aí que me toquei. É disso que se trata o cinema!
Eu não fazia ideia do que estava me metendo, pois o único contato que tive com o filme foi através de fotos promocionais e a presença de duas atrizes de elite, mas o que tem fortalecido muito a minha escolha para assistir um filme nos últimos tempos é justamente o efeito surpresa. Para um aficionado por cinema, não há nada que se compare com a sensação de ser surpreendida por um enredo.
Assim, à medida que os minutos avançavam, a ficha foi caindo e imediatamente entendi do que o filme se tratava e quais foram as fontes das quais ele bebeu para se inspirar. Se você não tiver problema em saber sobre o tema antes de investir no filme, recomendo dar uma pesquisada no caso Mary Kay Letourneau e Vili Fualaau, ele contextualiza boa parte dos eventos.
Mas continuando, nos primeiros minutos há um bombardeio de notas de piano que tenta criar um clima de suspense/thriller de qualidade duvidosa, e não há nada acontecendo na cena que represente qualquer ameaça. Foi só depois que pude entender a interferência repetitiva dessas notas musicais ao longo do filme, lembrando-me de um programa do Discovery Channel que fala de mulheres perigosas. E não foi à toa.
Aqui, a singularidade está no sentimento que as situações entre as personagens evocam. Estamos longe de ver cenas chocantes ou apelativas, mas o contexto de obsessões e traumas torna o filme completamente impactante. Acontece que, diante de uma situação claramente questionável e imprópria, Gracie tem certeza de que pode viver como se nada tivesse acontecido, sem sentir culpa ou remorso do impacto negativo que ela causou na vida de seu marido.
Em contraponto, vemos Elizabeth, que entra na vida da família para entender sua rotina — pois é uma atriz que vai interpretar a vida de Gracie em um filme independente -, mas suas intenções estão longe da inocência. Sua presença cria um mal estar constante na comunidade. Suas perguntas, embora discretas, são um confronto para uma situação familiar que ninguém aprendeu como lidar, ou até mesmo aceitar. Atenta a isso, a matriarca da família entra em uma espécie de jogo sórdido com a atriz para manter o controle das opiniões de sua família, causando micro agressões emocionais contra uma vida que não viveu nem metade das experiências fundamentais do amadurecimento.
O constrangimento vem na forma do “ninguém quer falar a respeito”, da agonia de todos os envolvidos acharem aquela situação ok e entregar, no máximo, uma atitude passivo-agressiva com a permanência insistente de Elizabeth nos momentos chave da família. É um cabo de guerra psicológico que te faz implorar por uma explosão em forma de barraco. Sem as atuações dos três protagonistas, nada disso teria valido a pena e entraria no vale de documentários apelativos.
Natalie e Julianne são trunfos vencedores, contudo, o desafio maior fica para a primeira, que além de ter a responsabilidade de interpretar uma mulher complexa, ainda serve como o ‘duplo’ para a personagem de Gracie, por isso, roubou um pouco mais a cena, só que sem diminuir sua coprotagonista. Charles Melton teria uma pressão enorme por estar entre dois cães de briga, mas ele acompanhou o ritmo das atrizes e entregou uma performance comovente e muito triste de seu personagem! A direção do experiente Todd Haynes torna tudo mais grandioso, quem conhece o trabalho dele em Carol vai ter um prato cheio em Segredos de um Escândalo.
No entanto, a única coisa lamentável, foi a falta de interesse da Netflix em investir na promoção do filme para a temporada de premiações, mas por ser um tema que toca no nervo da indústria, imagino que dar a vez para Maestro, um click bait para troféus, tenha sido a escolha mais “sensata”. No fim, Segredos de um Escândalo é uma trama difícil de digerir, mas tem um brilho grande demais para ser ignorado.