Crítica de filme

Furiosa: Uma Saga Mad Max

Publicado 6 meses atrás
Nota do(a) autor(a): 3

A super famosa franquia de jogos Grand Theft Auto, o popular GTA, possui seis grandes jogos que são divididos em “universos”, nomeados consoante a capacidade gráfica de quando foram criados: existe o universo 2D, que contém Grand Theft Auto e Grand Theft Auto 2; o universo 3D: GTA III, Vice City e San Andreas; e o universo HD com GTA IV e V. Por mais que todos funcionem dentro do mesmo cosmo, compartilham particularidades entre si a partir de seus universos predefinidos. 

Essa parece a lógica do mundo de Mad Max. A trilogia clássica, estrelada por Mel Gibson, é como se fosse um velho testamento e as duas mais recentes incursões, Estrada da Fúria e Furiosa, o novo testamento. E o que os separa? O antigo testamento funciona de forma episódica, cada novo filme é uma história sozinha dentro desse mundo. Enquanto os novos filmes claramente seguem um núcleo, o da Cidadela. 

A missão de Furiosa: Uma Saga Mad Max é complicada, já que seu antecessor é um dos melhores da década passada e uma obra muito idiossincrática. Está sempre em 220 volts e, a partir disso, discute gênero, posse, concentração de renda e recursos, de forma fundamentalmente subtextual, tudo mediado por cenas de ações das mais criativas do século enquanto constrói esse novo testamento da franquia. Um exemplo insano de maximalismo em um filme simples, que se trata “apenas” de uma ida do ponto A ao B, e retorno ao A. 

Furiosa não é tão ambicioso assim. Na verdade, trata-se de uma das proposições mais comuns do universo Mad Max: é, “apenas”, uma história de origem. Trata-se do desenvolvimento da personalidade e do corpo da personagem e seu trajeto até o ponto que vemos em Estrada da Fúria, que já chega chutando a porta sem tempo para respirar. Por isso, este novo filme precisa, muitas vezes, diminuir seu ritmo e deixar cenas se desenvolverem para que façam algum tipo de sentido mais na frente. 

Esses, porém, são os piores momentos da obra que, quando cai na ação, delicia-se, mas para chegar até lá, utiliza uma estrutura convencional que precisa ir “se pagando” para alcançar a catarse. Há um momento em que Furiosa precisa decidir se vai entrar numa briga ou não, e, a tomada de decisão é esquisitíssima, com uma hesitação que aparenta muito deslocada, exatamente pelo filme ter que pausar para deixar essa ação discorrer.

O diretor utiliza de forma mais frontal os efeitos especiais, em detrimento dos práticos, uma marca do anterior. Porém, George Miller não é um qualquer que precisa se apoiar numa tela verde para fazer a encenação funcionar, mas um capaz de pensá-la através da artificialidade do próprio dispositivo. Não chega a ser um radical como Speed Racer, que se fundamenta pela tela verde, mas integra este pensar principalmente nas cores e no cenário, expandindo a já apresentada Cidadela e aprofundando a Fazenda da Bala e a Vila da Gasolina. 

O retorno de Immortan Joe é um dos pontos altos da obra. O grande vilão é retratado como um imponente estrategista, e sua presença é sempre notada em cena. Em um filme que, por mais que apresente os elementos deste mundo, interessa-se menos por eles e mais pela figura principal, e Immortan nunca fica de fora dos holofotes como a grande ameaça que é para a protagonista. Joe é parte fundamental do que Furiosa se tornará, e o filme sublinha isso desde o momento que ele põe os olhos nela. 

Já a relação entre Furiosa e Pretorian Jack é uma tentativa de emular a relação Max-Furiosa que funciona muito em Estrada da Fúria. No meio do caos das intermináveis perseguições, Max e Furiosa trocam poucos olhares que comunicam muito, principalmente o respeito mútuo que existe entre eles. Como em Furiosa: Uma Saga Mad Max não há essa ação desenfreada, os momentos com Jack acontecem quando há um marasmo, e não necessariamente aterrissam tão bem. Graças ao estranho ritmo do filme, o encaixe das cenas não é tão macio e causa a sensação de que algumas delas se resolvem muito rapidamente apenas para o filme se mover narrativamente. Um “problema” intrínseco à lógica da estrutura comum que o filme decide ter para si. 

Apesar de alguns percalços, principalmente rítmicos e estruturais, o filme é muito acima de qualquer coisa que tenha saído nos últimos anos  no cinema de ação mainstream. Miller sabe que seu filme invariavelmente será comparado com o anterior, que é um marco da cultura pop e, a partir daí, ele cria um dos melhores finais da década.

Após finalmente capturar Dementus, Furiosa não sabe como puni-lo por todo sofrimento que ele lhe causara. O filme, então, brinca com as diversas possibilidades de matá-lo, e isso se apresenta como um metacomentário sobre o próprio fazer de Furiosa. Como continuar (ou, neste caso especificamente, retroceder) em um universo com um filme tão aclamado como Estrada da Fúria?

As diversas possibilidades representam, também, a chance de fracassar e nunca suprir as expectativas invariavelmente criadas em todos os passos para chegar a esse momento, seja o assassinato de Dementus, seja a próprio filme. O receio de Furiosa de não conseguir dar ao seu algoz um final digno de toda a desgraça que recaiu sobre ela através dele é o “medo” de Miller de não conseguir elaborar criativmente uma nova instalação para o tão amado mundo que desenvolvera.

A escolha é por usar o corpo de Dementus para plantar a semente que a mãe de Furiosa lhe deu como último ato. A ideia de gerar vida, beleza e natureza a partir do decrépito e sujo corpo de Dementus é uma escolha sutil, subtextual e simultaneamente poderosa, porque a imagem que fica, de um Chris Hemsworth magérrimo com uma árvore brotando de seu abdômen é tão bela e degenerada que só um gênio louco desvairado como George Miller seria capaz de conceber.

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furiosa poster
País: EUA
Direção: George Miller
Roteiro: George Miller, Nick Lathouris
Idioma: Inglês

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