Chegamos ao fim do seriado que quase ninguém pediu, mas que se consolidou como um dos mais populares e comentados da Marvel. Agatha Harkness foi introduzida em WandaVision com muita ambição, carisma e artimanhas de manipulação, tendo um único objetivo: conquistar o poder da Feiticeira Escarlate. Ao fim de WandaVision, a “vizinha fofoqueira” foi presa no feitiço de Wanda em Westview, e seu destino ficou incerto… até agora! Kathryn Hahn foi uma das forças que impulsionaram esse projeto, e, entre as poucas informações que soltavam, o nome do título da série foi mudando em cada oportunidade. No fim, a escolha de Agatha Desde Sempre foi acertada, pois deixa claro que Harkness é uma vilã tão carismática quanto Loki, com nuances próprias que a tornam fascinante. Até agora, sua ambição e sede por poder a impulsionam e são o núcleo de sua história, mas a personagem nunca demonstra culpa verdadeira pelas desgraças que causou, mantendo seu foco no que mais importa para ela: viver e se preservar.
Além disso, toda vilã precisa de seu grupo de apoio—ou melhor, de seu Coven. O primeiro a cruzar o caminho de Agatha é um jovem misterioso (Joe Locke), que busca seu auxílio para entrar no Caminho das Bruxas, e cujo poder é tamanho que conseguiu libertá-la do feitiço de Wanda. Junto da dupla, temos Rio Vidal (Aubrey Plaza), Jennifer Kale (Sasheer Zamata), Lilia Calderu (Patti LuPone), Alice Wu-Gulliver (Ali Ahn) e, aleatoriamente, uma senhorinha simpática chamada Sharon Davis (Debra Jo Rupp). Cada uma dessas bruxas adiciona um toque especial, e é muito bom ver a Marvel criando espaço para personagens femininas tão complexas.
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As bruxas, todas, inclusive Agatha, dançam nessa linha entre o bem e o mal, dependendo das circunstâncias. A série traz um bom exemplo do misticismo e das nuances de caráter que a Marvel deveria explorar mais em seus projetos. Ao mesmo tempo, as bruxas da série mostram que a ambição delas se mistura com uma complexa rede de moralidade própria. A série explora esse tempero que falta nos últimos filmes da Marvel: ousadia e camadas de caráter que dependem de escolhas e não de forças absolutas. Não há medo em assumir que o bem e o mal podem coexistir em cada uma das personagens.
A estética gótica da série merece uma salva de palmas. Desde os detalhes dos figurinos até a ambientação sombria dos cenários, tudo se encaixa em um visual digno de bruxaria. A atmosfera sombria realça os momentos mais tensos da trama, e a estética, cheia de elementos góticos, faz com que cada cena seja visualmente cativante. A série investiu bem em cenas de horror leve, criando momentos de suspense dignos daquele universo obscuro.
É claro que nem tudo foi perfeito em Agatha Desde Sempre. Algumas pontas soltas da história de Agatha poderiam ter sido melhor amarradas, mas essas pequenas falhas em nada afetam o quadro geral: uma narrativa bem construída, com arcos emocionantes e cheios de reviravoltas. Mas embora a série pertença a Agatha, outros personagens também têm seus momentos, como Lilia Calderu, responsável pelo melhor episódio da temporada na minha opinião. A decisão de incluir Patti LuPone como a matriarca do Coven deu peso e uma profundidade teatral, sendo cômica e dramática quando necessário.
Aubrey Plaza também brilhou. Mesmo que o mistério sobre sua personagem tenha sido revelado precocemente por causa de um Funko Pop, isso não estragou o momento de sua revelação como A Morte. Plaza entrega a presença ideal, com a beleza e toxicidade necessárias para o papel, e a química entre ela e Agatha é um espetáculo à parte. A conexão entre elas é fascinante, como se Agatha tivesse o poder de manipular até a própria Morte. A trama deixa claro que Agatha foge desse destino a qualquer custo e, quando a confronta, o faz com medo de encarar as consequências de suas ações.
É bem complicado tentar entender Agatha, quem olha com uma lente superficial pensa que ela só quer poder e mais nada, mas por uns momentos de lapso ela é capaz de ter compaixão e cometer alguns sacrifícios, ela não é boa, mas também não é de todo mal. E foi por isso que ela colocou o Jovem debaixo da sua asa, inicialmente por interesse, mas no fim por afeto.
E falando no Jovem, foi outro personagem que estava com uma pedrinha cantada de quem seria, Billy Maximoff – A.K.A Wiccano, conseguiu encontrar em William Kaplan o perfeito receptáculo para continuar vivendo, e ele é o fio condutor de toda a história, inclusive o criador do Caminho das Bruxas, que antes era só um conto da carochinha de Agatha para predar bruxas desavisadas. Sim, o divo criou a realidade dele, e como a mãe, tinha alguns gaps. As Sete de Salem foram uma pedra no sapato do Coven, mas não precisava passar pelas provações para alcançar as bruxas e nem de longe mostrou todo o potencial que prometeu no segundo episódio. A forma como elas foram eliminadas foi belíssima, já que envolve um sacrifício da Lilia, porém foi só isso.
Joe Locke é sim a escolha perfeita para interpretar o filho de Wanda, ele tem carisma, presença e, acima de tudo, é bonito. É revoltante pensar que a mesma comunidade que pede aceitação também rejeita o ator por ele não ter uma beleza convencional. Ele vai ganhar seu reconhecimento cedo ou tarde, porque é o pacote completo. O momento da revelação de quem ele era vai entrar nos livros de história da Marvel, porque foi épico!
Voltando para o Caminho, mesmo que seja criação do Billy, ele não se tocou até o final e, assim como Wanda, não tinha controle das consequências de sua própria criação. Pessoas morreram e Jen conseguiu seu prêmio, mas não foi por causa do Caminho; foi por estar no lugar certo e na hora certa, tomando seu poder de volta que foi bloqueado por Agatha, porque ela simplesmente sentiu vontade de fazer isso há 100 anos e nem se lembrava disso. Foi um tanto poético ver Jen assumir seu poder e, sendo a única mulher preta na história, foi contra todas as possibilidades, se tornando uma final girl perfeita.
Sobre as Sete de Salem, o sentimento que fica é de que muito foi prometido, mas a entrega ficou aquém. Embora houvesse expectativa de uma profundidade maior para o grupo, algumas delas acabaram reduzidas a estereótipos e ficaram sem um arco final convincente, como se sua jornada tivesse sido cortada antes de alcançar o clímax. E, mesmo que essa decisão possa ter sido feita para manter o foco em Agatha, é frustrante ver um potencial tão promissor descartado de forma tão brusca.
Com um orçamento pequeno e muita força de vontade, Agatha Desde Sempre se juntou ao panteão de séries com selo de qualidade da Marvel, e é muito gratificante ver que mulheres e LGBTQIA+ puderam brilhar nesse projeto que faz parte de um estúdio predominantemente feito para agradar homens. Mesmo que haja pessoas que não gostem, Agatha Desde Sempre mostrou que existem histórias ricas no universo Marvel que merecem ser contadas.
Ao final da série, senti emoções contraditórias em relação ao destino de Agatha, a fantasminha trambiqueira. Se, por um lado, fico feliz que ela continue presente na vida dos Maximoff como uma espécie de guia espiritual (e sim, recuso-me a aceitar a morte de Wanda!), por outro, vejo isso como uma limitação de seu potencial. Afinal, Agatha merece mais poder? Especialmente depois de suas manobras de roubo de poder e manipulação no Caminho?
A tentativa de entender Agatha é complexa. À primeira vista, ela pode parecer alguém movida apenas pela ambição, mas em certos momentos de compaixão vemos um lado mais humano. Ela não é boa, mas tampouco é inteiramente má, e sua relação com o Jovem demonstra isso. Se inicialmente ele foi uma ferramenta, ao final ele se torna alguém importante para ela.
Com um orçamento modesto, Agatha Desde Sempre provou ser uma adição de qualidade ao catálogo da Marvel, especialmente pela presença feminina e LGBTQIA+ em um projeto que desafia o tradicional. É uma vitória ver personagens diversas brilhando em uma série de um estúdio predominantemente voltado para o público masculino. Mesmo que nem todos apreciem o resultado, é inegável que Agatha Desde Sempre mostrou que existem histórias ricas no universo Marvel que merecem ser contadas.