Sobreviventes, de José Barahona, parte de uma premissa poderosa: o naufrágio de um navio negreiro no século XIX, e a consequente mistura de brancos e negros em uma ilha deserta. É um cenário com potencial explosivo, onde poder, raça e sobrevivência se entrelaçam. No entanto, apesar da proposta audaciosa, o filme raramente alcança o impacto emocional e intelectual que parece prometer.
Visualmente sóbrio, filmado em preto e branco, o longa aposta em uma estética contemplativa que sugere densidade, mas que, na prática, acaba distanciando. Em vez de envolver o espectador nas tensões dos conflitos hierárquicos emergentes, a fotografia reforça uma frieza que torna o sofrimento abstrato, quase acadêmico — um paradoxo desconfortável para um filme que quer falar de carne e dor.

Bonito, sombrio e impactante, Aos Pedaços nos mostra o quão privilegiados somos ao termos Ruy Guerra entre nós.
O elenco, que inclui nomes como Zia Soares, Ângelo Torres, Anabela Moreira e Miguel Damião, entrega atuações dignas. No entanto, o roteiro muitas vezes sabota os próprios atores com diálogos artificiais e carregados de intenções didáticas. Os personagens não conversam — explicam. Ao invés de conflitos dramáticos autênticos, o que se vê são confrontos moldados para servir como lições de história e de moralidade.
A alegoria da ilha como sociedade em reconstrução é evidente, mas raramente sutil. As dinâmicas de poder se apresentam de forma esquemática: o branco que tenta manter a autoridade, o negro que se liberta, o arrependido, o cruel. O problema não está nos arquétipos em si, mas na falta de nuance com que são desenvolvidos. Para um filme que se propõe a discutir complexidade moral e a herança colonial, o tratamento soa simplista.
O ritmo, por sua vez, oscila entre o contemplativo e o arrastado. Há momentos em que a tensão deveria explodir, mas o filme opta por estender o silêncio, a pausa, a ambiguidade — escolhas que poderiam ser poderosas se o terreno não estivesse tão irregular. A ambiguidade aqui não instiga: desorienta. E em seu fim, o filme não inquieta, apenas deixa a sensação de que não sabia exatamente para onde queria ir.
Sobreviventes é, sem dúvida, um projeto corajoso. Mas coragem não basta. A obra tropeça justamente onde queria ser mais incisiva: na crítica ao poder, no desconforto ético, na representação das feridas históricas. O naufrágio, afinal, não é apenas o da embarcação — é também o de um filme que, tentando dizer tanto, acaba dizendo pouco.
Uma mensagem louvável, e nada mais.