Às vezes, não é preciso uma cidade inteira para contar a queda de um homem — basta um banco de couro, quatro portas trancadas e um espelho interno onde ele não queira mais se olhar. Confinado, dirigido por David Yarovesky e produzido por Sam Raimi, aposta nesse microcosmo sufocante para conduzir uma narrativa tensa, íntima e, por vezes, surpreendentemente sensível.
A trama acompanha Eddie (Bill Skarsgård), um homem perdido em suas próprias escolhas, navegando entre pequenos golpes e grandes omissões. Há uma filha em sua vida — ou talvez à margem dela — que clama por sua presença. Mas Eddie, como tantos, acredita que poderá compensar o afeto com conquistas materiais, sem perceber que, nesse processo, vai se afastando ainda mais daquilo que realmente importa. Ele é falho, sim. Mas também é humano. E o filme faz questão de nos lembrar disso.
O ponto de virada acontece quando Eddie tenta furtar um carro aparentemente esquecido em um terreno qualquer. O que deveria ser uma saída fácil vira uma cilada elaborada. Preso dentro do veículo, ele é confrontado pela voz de William (Anthony Hopkins), uma presença invisível que se torna, aos poucos, um oráculo punitivo, inquisidor e impiedoso. É nesse confinamento físico que se inicia o verdadeiro encarceramento: o emocional.
Yarovesky conduz o início do filme com notável controle de ritmo e atmosfera. A câmera não apenas observa — ela respira junto com o protagonista. A forma como o espaço é explorado, com planos que ampliam a sensação de opressão e isolamento, dá ao filme uma densidade que vai além do suspense comum. É como se o carro se tornasse um personagem, cúmplice da punição, espelho da alma inquieta de Eddie.
Há força simbólica na escolha dos cenários: a opulência de um automóvel cercado pela degradação urbana, a solidão engarrafada entre vidros escuros, a culpa reverberando pelos alto-falantes. É uma construção visual eficaz, que confere ao filme uma camada crítica — ainda que discreta — sobre desigualdade, invisibilidade social e a fragilidade do indivíduo diante do sistema.
Bill Skarsgård entrega uma atuação contida, mas carregada de tensão. Ele constrói Eddie com ambiguidade: há raiva e desespero, mas também culpa e vulnerabilidade. Aos poucos, vemos surgir não apenas um ladrão acuado, mas um homem despido de certezas, confrontado com a versão mais crua de si mesmo.
Anthony Hopkins, mesmo em participação limitada, empresta peso e intensidade ao papel de William. Sua voz, a princípio distante e fria, vai ganhando textura à medida que os diálogos avançam — e mesmo quando sua aparição física dilui um pouco do mistério, ainda carrega um magnetismo particular. Há uma tristeza camuflada na brutalidade de William, como se ele também buscasse redenção ao punir o outro.
Sim, o roteiro eventualmente escorrega. As repetições no segundo ato cansam, e a virada para elementos mais tecnológicos — envolvendo veículos autônomos e manobras mirabolantes — desloca o filme de sua premissa mais intimista. Mas esses desvios não anulam o que o filme consegue realizar nos momentos em que se recolhe ao essencial: dois homens, feridos por suas histórias, tentando impor sentido ao caos por vias opostas.
Confinado não é um thriller de alta voltagem, nem um drama existencial completamente desenvolvido. Mas dentro de seus limites — e talvez por causa deles —, constrói um experimento intrigante sobre culpa, controle e redenção. É um filme que respira através das pausas, dos silêncios e dos olhares contidos. Que se arrisca ao reduzir o mundo a um habitáculo e ali tentar extrair verdade.
Ao final, Confinado talvez não mude o curso do cinema, mas permanece com você por mais tempo do que parece. Como um pensamento incômodo à noite, como um erro que a gente tenta esquecer — ou como a lembrança de que, às vezes, o castigo mais difícil de suportar é aquele que impomos a nós mesmos.