Em meio a tantos remakes e, por que não dizer, falta de criatividade no cinema, Robert Eggers veio mais uma vez projetar luz na sétima arte. Não há dúvidas de que O Farol (The Lighthouse) causará polêmica entre os espectadores – embora qualquer crítico deva admitir o brilhantismo do diretor – e isso porque é uma película de difícil absorção e interpretação aberta -, mas jamais poderá passar batido pelos amantes de filmes.
Antes de mais nada, a primeira coisa que chama a atenção no projeto ousado de Eggers é a fotografia. Realizada toda em preto em branco e em 35mm, ela nos remete às antigas filmagens do começo do século XX, e não ao tratamento digital que inverte as cores depois da filmagem colorida, como feito por Alfonso Cuáron em Roma (2018).
E não é difícil perceber a diferença da proporção da tela, que foge do padrão de 1.33:1 e passa para 1.19:1, tornando a imagem mais quadrada e, como consequência, diminuindo a amplitude de visão a que o público está acostumado.
Mais do que uma simples técnica de filmagem, porém, Eggers utiliza o artifício como uma tática narrativa. A intenção é fazer o espectador entrar na história e absorver a sensação de claustrofobia dos personagens de Willem Dafoe e Robert Pattinson que, sem nenhum exagero, entregam atuações extraordinárias, dignas dos maiores prêmios cinematográficos.
Por outro lado, quanto a história em si pouco se pode dizer, ou a experiência do longa poderá se estragar. Thomas Wake (Dafoe) e Ephraim Winslow (Pattinson) são dois desconhecidos que viajam até uma ilha inóspita onde devem tomar conta de um farol. Sem nenhuma outra companhia, os dois acabam entrando numa vibe violenta de loucura onde mitos e misticismo se misturam.
A falta de uma personagem feminina (com a exceção das aparições pontuais de Valeriia Karaman como uma sereia), poderá fazer com que Eggers seja taxado de machista, mas a intenção é justamente essa e o machismo pode entrar como mais um quesito da lista de coisas que o diretor quis mostrar.
É por tudo isso que, numa primeira olhada, O Farol pode parecer um filme completamente insano (e talvez seja mesmo, até depois de assistido várias vezes), ainda mais quando os recursos onomatopeicos entram em cena e Defoe e Pattinson parecem se tornar o próprio farol, uma gaivota ou um cão; ou quando maldições são invocadas e os mares se revoltam em fúria; ou quando sonho e realidade se misturam num caos simplesmente genial.
O talento autoral de Eggers se mostra em todo o seu poder aqui, assim como aconteceu com o seu aclamado A Bruxa em 2015. Ambos os filmes falam de isolamento, solidão e sim, podem ser considerados meio lentos. É difícil formar uma opinião sobre eles antes de deixar a história se assentar na mente. Não obstante, o diretor sabe como implementar um clima sombrio, desolador e complexo, mas ao mesmo tempo inteligente, instigante e maravilhoso como poucos antes dele.
O fim da película é literalmente visceral e fica a cargo de cada um a interpretação que se quiser dar. Entretanto, a mitologia é um bom começo na busca pelo entendimento desses complexos personagens, que se traduzem não só em Defoe e Pattinson, mas em cada um dos outros elementos caóticos e loucos que compõem todo o cenário.
Talvez seja o melhor filme do ano, talvez não, mas Eggers merece aqui todas as loas que se puder tecer! Num oceano revolto onde somente o dinheiro navega, ele teve a coragem de lançar um projeto autoral ousado em que tudo poderia dar errado. Sorte nossa que não deu. Se há uma coisa que pode ser dita sem medo é que o O Farol foi uma luz na tormenta.