Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica — tradução infeliz que deram ao título do filme no Brasil — conta a história dos irmãos elfos, Ian e Barley Lightfoot, que recebem uma varinha mágica para ressuscitar o seu pai por um dia. No entanto, o feitiço não sai como planejado: o pai retorna apenas da cintura para baixo, deixando os adolescentes com um par de calças ambulantes e menos de 24 horas para refazerem o feitiço.
Quando a Pixar anuncia um novo filme o público quase sempre fica empolgado, afinal o estúdio é um dos mais criativos e inovadores do mundo cinematográfico. Quem não se apaixonou pelas aventuras de Woody, Buzz e cia.? Ou se sentiu inspirado a se defender de agressores graças ao enredo de Vida de Inseto.
É fato que a Pixar utiliza fórmulas parecidas de contar uma história, mas a mágica delas está no desenvolvimento dos personagens e a capacidade de emocionar o público. Por isso mesmo que é de partir o coração quando um dos seus trabalhos deixa a desejar e, infelizmente, é o caso de Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica.
Um dos elementos que prejudicou o novo filme da empresa foi o desleixo da equipe de marketing em sua divulgação. Além disso, a estreia ocorreu justamente no período em que estávamos iniciando o isolamento social devido ao Covid-19. Assim, o longa deixou as salas de cinema e foi disponibilizado na Amazon Prime no dia 8 de maio.
Esses acontecimentos fizeram o filme perder força, mas isso não seria um problema se o enredo fosse especial. Não entendam mal, a premissa é um diferencial da Pixar – essa ideia de criaturas do universo de RPG vivendo uma sociedade parecida com a nossa abre um leque de possibilidades. O toque tão pessoal do diretor Dan Scanlon — que baseou a animação em sua vida com o irmão — poderia arrancar lágrimas do espectador. Dá para notar que ele quis fazer um trabalho genuíno e sincero, mas ficou faltando tempero. Nenhum dos personagens teve uma chance real de desenvolvimento o suficiente para ter uma conexão com eles. Foi apressado, clichê e previsível. Ao final do terceiro ato, o filme tenta puxar a atenção para dentro e quase acontece, mas simplesmente não foi suficiente.
O tempo todo senti que os protagonistas só estavam tentando escapar dos problemas que causavam – havia um sentimento de irmandade ali, mas como foi dito acima, Ian e Barley não mostraram mais do que seus personagens pediam para desenvolver a trama. É uma pena, pois o filme desperdiça um potencial incrível de storytelling.
Para citar um exemplo do estúdio, Up: Altas Aventuras apresenta uma das aberturas mais lindas de todos os tempos. Em poucos minutos você conhece toda a trajetória de Carl e Ellie e o que torna as cenas ainda mais sensacionais é o fato delas não possuírem diálogo. Em apenas 4 minutos você tem um personagem com um passado e uma motivação comovente. Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica não teve isso. Ao fim do filme ainda senti que não conhecia o pai dos garotos, e isso é frustrante, já que ficamos o tempo todo torcendo para que os irmãos se reúnam com ele. A relação dos meninos também teve poucos elementos explorados: existe apenas uma determinada cena de flashback em que é possível ter uma noção do relacionamento deles durante a vida.
Com relação aos outros personagens o cenário não é diferente – a Manticora entrega uns poucos momentos de humor e Laurel é a que mais mostra camadas, sendo uma mãe flexível, mas que nunca negligencia seus filhos, lutado pelo bem-estar deles a todo momento.
Para ser sincera, na primeira vez que assisti ao trailer de Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica, esperava que o próprio universo do filme fosse um personagem, tal qual Zootopia foi – aquela cidade gigantesca que poderia criar qualquer história. No entanto, aqui o universo é limitado e não explora as mitologias como deveria.
Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica é uma animação com qualidade visual e tem o fator Pixar de qualidade, porém passa longe de ser uma dos melhores trabalhos de seu catálogo – tornou-se esquecível.