Quando um cineasta se propõe a escrever sobre família, o filme pode ser cativante, extremamente dramático ou raso na forma de trabalhar as relações humanas. Pode parecer estranho, mas Questões de Família consegue englobar os três aspectos. O filme conta a história Mies Bos (Lilou Zoey Peetoom) uma mãe de quatro filhos que desenvolve câncer de pulmão. Ela então reúne suas filhas April (Linda de Mol), May (Elise Schaap) e June (Tjitske Reidinga) para dar a notícia e decidirem quem cuidará de Jan (Bas Hoeflaak), o filho caçula, que é portador de autismo. Mies só pode deixar esta vida com confiança se souber que Jan estará em boas mãos. No entanto, suas filhas enfrentam seus próprios problemas – será que uma delas terá o mesmo cuidado e paciência da mãe com o irmão quando esta se for?
Inicialmente, a premissa do filme deixa bem claro a sua narrativa. Mies certamente soube viver, já que cada um de seus filhos pertence a um pai diferente, e não apenas isso, o filme retrata um tema muito delicado e raramente explorado no cinema: a eutanásia.
Assim, quando pensamos nesse tópico, o primeiro filme que vem à mente é Como eu Era Antes de Você, porém, ao contrário do filme estrelado por Emilia Clarke, a matriarca da família realmente vai morrer. Ela só quer deixar este mundo da maneira dela, sem sofrimento, sem sujeitar seus entes queridos aos percalços de um estágio final do câncer.
Dessa forma, assim que ela comunica sua decisão para as filhas, elas parecem aceitar com muita facilidade. Mas é nessa parte que as relações humanas são deixadas um pouco de lado, uma vez que não tem como uma pessoa tomar conhecimento de que vai perder alguém, especialmente sua progenitora, e ficar por isso mesmo – ainda mais quando a família possui um membro que necessita de cuidados especiais.
No entanto, à medida que Questões de Família evolui são notáveis as características de cada um dos filhos de Mies. April é a filha bem-sucedida e distante, o tipo de personagem da qual o público não espera ver um nível de amadurecimento e o desfecho que teve. Parte desse peso pode ter a ver com o fato de que a história é baseada na vida da atriz que a interpretou – não fico surpresa por Linda de Mol entregar uma atuação tão sincera e aberta. May é a semi-caçula (terceira filha), a irresponsável que precisa encontrar seu caminho, mas que, ainda assim, é bem centrada. Já June é a mãe sobrecarregada de três filhos que parece carregar sua vida pessoal nas costas, colocando tanta dedicação na família que se esquece de viver – assim como a realidade de muitas mães.
Por outro lado, apesar de Jan ter autismo, fica bem claro o nível avançado de sua inteligência. Ele tem suas peculiaridades e é uma pessoa difícil de conviver, mas geralmente é mais independente do que sua família julga e não precisa de tanta ajuda. Porém, ele foi o mais foi afetado com a decisão de Mies. É importante destacar, que, apesar de terem uma relação difícil, os irmãos nunca deixam isso abalar suas vidas e nem mesmo a forma com que lidam com a escolha da mãe. Parece loucura, mas apesar de tantos obstáculos, essa é uma família equilibrada em que os membros sempre apoiam uns aos outros.
No final das contas, Questões de Família não é um filme sobre perda, ou até mesmo sobre as camadas dramáticas que norteiam uma família, mas sobre amadurecimento e desapego. O mais importante para Mies é que seus filhos caminhem e estejam bem estruturados depois que ela partir – e ela consegue deixar esse legado para a família (um legado muito rico diga-se de passagem). Essa é uma mãe que já viu de tudo e tem uma ótima relação com cada progenitor de seus filhos, o que é difícil no mundo real. Quando a história chega nesse ponto de reflexão, é perceptível o que cativou nesses personagens – eles não levam a vida a sério demais e tem momentos engraçadinhos que te fazem abrir um sorriso e ficar feliz de ter acompanhado sua trajetória. Ao fim há uma pequena reviravolta que pode parecer deslocada na história, mas ela é necessária justamente em prol do progresso na vida dos personagens.
Por fim, é estranho assistir filmes estrangeiros, pois parece que estamos acostumados com o mesmo tom de storytelling, com a mesma ambientação. Não sei se isso fará sentido para vocês, mas é bom quando um novo tempero cultural amplia seu campo de visão para outros estilos cinematográficos. Então eis a minha recomendação: acompanhe trabalhos além da sua bolha, mesmo que a história seja boba, garanto que irá te fazer refletir sobre outras culturas.