Fugir do mundo moderno é uma fantasia para muitos. Quem nunca pensou em poder se isolar do mundo, deixar todos os problemas e a correria do dia a dia para trás, nem que por breves momentos? A história mais famosa de alguém que fez isso no mundo real é de Christopher McCandless, cuja vida e morte foi eternizada na obra Na Natureza Selvagem, tanto o livro de Jon Krakauer quanto o filme dirigido por Sean Penn. A fuga de Howard Wakefield, o protagonista de Wakefield e interpretado por Bryan Cranston, é menos radical que a de McCandless, mas é certamente mais exótica e é, de ínicio, não intencional.
Após passar o dia todo recusando-se a atender ligações de sua mulher, Diana (Jennifer Garner), devido a uma briga, e chegar mais tarde em casa devido a um problema no trânsito, Howard se depara com um guaxinim bagunçando seu jardim e, ao tentar espantar o animal, este acaba entrando na garagem, que é separada da casa principal. Ao entrar na área para retirar o bicho, o personagem redescobre um sótão acima da garagem, cuja janela lhe dá visão privilegiada sobre sua casa, podendo observar a cozinha, sala de estar, e o quarto de sua mulher.
Observando que sua esposa ainda está com raiva pelo seu sumiço, Howard decide aguardar mais um pouco no sótão e acaba dormindo ali. Ao acordar de manhã, ao tentar retornar para casa, ele percebe que sua mulher jamais acreditará na sua explicação, e achará que ele está tendo um caso, e assim, aguarda mais um pouco até que ela saia de casa para trabalhar. Só que, em seu estado mental de ressentimento, Howard começa a pensar que ela é mais feliz com ele desaparecido, e decide começar a morar no sótão, mas sempre de olho na sua mulher e filhas.
Esse começo meio “comédia de erros” é um dos pontos mais interessantes do filme, e coloca uma base muito empática na fuga do protagonista. Mais compreensível ainda do que querer fugir de tudo, é querer se desviar de uma situação embaraçosa, por mais difícil que seja. Mas Wakefield está mais interessado no drama, mesmo que nesse quesito seja um longa muito morno.
Da janela do seu sótão, Howard passa a tecer comentários sobre sua antiga vida suburbana, e é nessa temática que o filme opera, uma análise da típica família americana, formada por pai, mãe e filhos com sua casinha de cercas brancas. “O que é tão sagrado na família e casamento que você tem que viver todos os dias?” Se pergunta o protagonista, cuja a voz narrativa é a constante companheira ao longo do filme. Wakefield é quase um monólogo – se ouvimos outros personagens é somente em flashbacks. A câmera frequentemente assume a perspectiva de Howard também, como um microscópio na vida dessas pessoas que, subitamente, perderam um membro da família.
Robin Swicord, diretora do filme, evita cair na armadilha de pintar Howard como uma simples vítima, e se a narração de Howard é uma crítica ao modo de vida familiar, a câmera de Swicord disseca a mentalidade de um homem frágil e, francamente, mesquinho. A montagem nunca deixa que Howard tenha a última palavra. Se ele faz algum apontamento sobre o ridículo da vida cotidiana, em seguida o vemos em uma posição ainda mais ridícula, como tendo que fazer sua necessidades em um balde.
O problema, no final das contas, é que essa veia mais ácida do filme é deixada para trás, em favor de um lirismo poético que não se encaixa muito bem na narrativa, com uma fotografia mais esmaecida, dando um ar suave aos acontecimentos, com lindos planos da natureza e céu estrelado. Pode ficar até bonito na tela, mas importa pouco, já que o conflito de Howard tem raízes um tanto mais mundanas.