No começo do ano passado assisti a um vídeo simplesmente assustador: a história de uma garota que vivia em seu carro. O lance do vídeo era mostrar como ela estava se virando durante a pandemia de coronavírus e nós a acompanhamos tomando banho numa academia, estacionando onde passaria a noite, exibindo seu suporte infantil de pratos que acopla no volante para fazer suas refeições, enfim, uma situação deprimente. O pior, contudo, é quando ela fala o motivo pelo qual “se colocou” nessa situação: diz que não conseguia sair com os amigos e comer comida barata, pulava refeições para guardar dinheiro e mesmo assim estava começando a ter dívidas. Sendo assim, ela decidiu cortar seu maior gasto, o aluguel. Óbvio que a culpa dessa situação toda não é dela e, de frente para situações tão adversas em que temos tão pouco poder, essas saídas bizarras acabam sendo o que se tem. Para mim, porém, o mais esquisito é ela contar para si mesma que está tudo bem, que foi uma escolha dela, que é uma prática que, no final das contas, a aproxima da natureza.
Não é. Existem casas não habitadas que ocupam espaços úteis nas cidades mas que não cumprem sua função social graças à especulação imobiliária. O problema é que não há interesse em manter as pessoas seguras e com lares que provêm o mínimo de condições para se viver uma vida amena. Dessa forma, Ao longo de Nomadland (2020) nos deparamos com essas pessoas que foram privadas de qualquer condição digna de vida, precisando morar em comunidades afastadas, sobrevivendo a base de truques em pneus e itinerários errantes. Cada lugar novo, novas pessoas, novas histórias, tudo diferente, mas sempre o mesmo. O filme é de uma linearidade inflexível, sempre seguindo a reta de Fern (Frances McDormand) sem qualquer variação temática ou estrutural.
Seguindo essa linha de raciocínio, o único momento minimamente distinto do filme é quando Fern confronta seu cunhado e os amigos desse, discordando-sem-querer-discordar das práticas do ramo imobiliário e a conversa se volta para ela e suas práticas nômades, com sua irmã reconhecendo a beleza do que a protagonista faz, comparando com os pioneiros. Todo o problema do filme reside nessa sequência. O aspecto político, ético e social está ali, o filme implora por essa pergunta mas nunca a responde. Pelo contrário, busca um certo conforto no desconfortável, procura não necessariamente justificar, mas se conformar com todas essas circunstâncias e ainda por cima forjar uma beleza nelas.
Sedo assim, Nomadland não propõe nenhum aspecto dramático que perdure. É tudo tão estático e circunstancial… Só há o aparente interesse em momentos que exigem uma liberdade maior para que Frances McDormand faça seu caso para o Oscar, o que, no final das contas, parece ser o único propósito do filme: surfar nessa onda pseudo-política e representativa de forma puramente sugestiva, sem articular nada radical por mais que documente uma situação assim, sem se comprometer e sem enfiar a mão no formigueiro que se apropria.