A certeza que todos temos ao nascer é de que um dia iremos morrer. Mais cedo ou mais tarde o ciclo da vida se fecha e encerramos nossa jornada terrestre. E falando sobre esse ciclo, o começo e o fim dele expõem toda a nossa fragilidade. Ao nascermos, precisamos dos cuidados de nossos pais, já que não estamos capacitados para fazer nada por nós mesmos. Precisamos que nos alimentem, nos aqueçam e nos cuidem. Ao chegarmos ao final de nossas vidas, novamente precisamos de auxílio para realizar tarefas cujas habilidades perdemos ao longo do tempo. Em alguns casos, no entanto, a debilidade não é apenas física, mas mental. Aceitar e entender esse processo é doloroso para todos os envolvidos e é disso que trata Meu Pai, longa de estreia do diretor Florian Zeller adaptando sua própria peça.
Anthony (Anthony Hopkins) vive sozinho em seu apartamento em Londres aos 81 anos de idade. Sua rotina pacata é retratada pelo seu hábito de escutar música clássica e observar a movimentação da rua pela janela. No entanto, sua filha Anne (Olivia Colman) vai se mudar para Paris e gostaria que ele aceitasse uma cuidadora em sua casa para ajudá-lo em seus afazeres. Indignado com a sugestão por se achar plenamente capaz de cuidar de si mesmo, Anthony fará de tudo para manter sua independência. Ao mesmo tempo, eventos estranhos na casa fazem Anthony duvidar das intenções da própria filha e da realidade que o cerca.
Feito tão sob medida que compartilham o mesmo nome e o gosto musical, o Anthony de Anthony Hopkins pode ser interpretado como uma versão do próprio ator em sua velhice. Isso adiciona uma camada a mais de empatia do público para com o seu personagem, incluindo uma bagagem emocional dos anos em que acompanhamos sua carreira. Mesmo que o Anthony do filme seja em algum momento como um engenheiro, a cena em que diz ter sido um sapateador pode muito bem abarcar a ideia de ele também possa ter sido o ator que conhecemos. Entretanto, nada disso enfraquece a atuação magnífica de Hopkins por si só. Alternando momentos de total segurança e desespero quase infantil, as nuances de sua atuação mais que justificam sua indicação para o Oscar de Melhor Ator (o longa está indicado em 6 categorias, incluindo Melhor Filme, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Direção de Arte, Melhor Montagem e Melhor Roteiro Adaptado).
Olivia Colman também merece todos os elogios que vem recebendo sobre sua atuação. Sua Anne é o retrato de uma filha que precisa sofrer em silêncio enquanto presencia a degradação mental de seu pai ao mesmo tempo que precisa reunir forças para lidar com a situação e o casamento. O filme levanta pontos muito relevantes em relação à maneira como tratamos nossos idosos na sociedade em que vivemos. Enquanto uns os vêem como um fardo a ser excluído do convívio familiar, a Anne de Colman luta para que Anthony preserve a sua dignidade da melhor maneira possível dada a situação.
Ambas as atuações são envolvidas em uma direção firme, e talvez até corajosa, de Zeller. Ao optar por nos mostrar majoritariamente o ponto de vista de Anthony, o longa nos coloca em pé de igualdade com seu protagonista, que acaba repetindo situações e confunde pessoas de sua vida com aquelas que acabou de conhecer. Cenas começam e terminam de um jeito apenas para serem inseridas em diferentes contextos em outras. Personagens trocam de atores, criando uma sensação de impotência e fragilidade. O estranhamento dele passa a ser o nosso, e com isso temos a dimensão da angústia de Anthony em não conseguir confiar nas pessoas que o rodeiam e nem na casa onde vive. Em relação ao apartamento, é admirável o trabalho do design de produção do filme em alterar pequenos detalhes da casa sem transformá-la completamente, mas o suficiente para que cause um desconforto em nós e no seu protagonista.
Com direito a um final dilacerante, Meu Pai é um estudo de personagem em sua jornada rumo ao seu fim e que muito se assemelha ao seu começo. Uma daquelas inevitáveis ironias da vida.
Respostas de 3
Excelente texto, Nicolas. Pontos relevantes muito bem levantados, mesmo para aqueles que ainda não assistiram ao filme, como eu.
Fiquei empolgado e com receio na mesma proporção!!!!!
Muito boa a sua crítica, Nicolas. Sensível, enquanto realista, todos nós conhecemos o drama do envelhecimento de nossos pais e suas consequências, que você retratou tão bem. Já estou motivada para assistir o filme, depois de ler a sua síntese.
Excelente Nicolas, humana apreciação dentro da realidade que nós idosos vivemos, com nossas angústias e poucos sonhos ou expectativas realizáveis .Parabéns