Ariano Suassuna é sinônimo de sucesso, seja nas páginas de seus contos, seja na tela do cinema. Desde O Auto da Compadecida (Guel Arraes, 2000) que não vejo um filme nacional tão bom quanto O Auto da Boa Mentira, do diretor José Eduardo Belmonte, ambos baseados na obra do poeta paraibano radicado no Recife. E para quem conhece pelo menos um pouquinho do autor, sabe que ele fã de um bom mentiroso – mas não aquele que conta mentiras para prejudicar os outros, e sim por amor a arte. Sendo assim, as inverdades de Suassuna casam tão bem com o cinema e se encaixam tão perfeitamente com nossa cultura, que me pergunto o motivo de terem se passado mais de vinte anos antes que pudéssemos ver mais adaptações dos contos dele em nossas telas.
Trazendo quatro histórias criadas a partir de frases clássicas do poeta, O Auto da Boa Mentira rememora algo que anda bem esquecido nesses tempos de agora, uma coisa que Suassuna nunca deixou de sentir e expor durante seus 87 anos de vida: o orgulho de ser brasileiro e, mais ainda, de ser nordestino. Seu patriotismo é bonito de ser ver e se revela em cada obra sua, podendo ser referidas a título de exemplo as próprias citações que inspiram a película em análise como: “não troco meu oxente pelo ok de ninguém.” Por isso a arte, o oxente e a mentira branca são a fórmula mágica que ele usa para nos encantar.
Assim, na primeira história encontramos Leandro Hassum e Nanda Costa num engraçado mal-entendido, quando Helder (Hassum) é confundido com um famoso comediante e começa a gostar dessa confusão, até que Caetana (Costa) aparece para fazê-lo “pensar” melhor no assunto – uma análise mais profunda do significado desse último nome dentro da cultura nordestina pode te surpreender.
Já a segunda história traz Renato Góes, Cássia Kis e Jackson Antunes num mistério circense bem lírico. Aqui a figura do palhaço é mostrada de forma bucólica e a mentira se infiltra no cenário de inocência e pureza que caracteriza Fabiano (Góes) sem perder em nenhum momento o caráter mambembe.
A terceira história nos leva para o Rio de Janeiro onde o ator britânico Chris Mason vive um “gringo carioca” que serve de guia turístico para os estrangeiros que querem conhecer o Vidigal. Quer coisa mais brasileira do que isso? Porém, por causa de uma mentirinha bem pequenininha que ele conta para não ter que ir ao aniversário do amigo Zeca (Serjão Loroza), acaba indo parar cara a cara com o chefe do tráfico, vivido por Jesuíta Barbosa.
Por fim, a última e mais interessante das histórias se passa numa empresa de publicidade onde a estagiária Lorena (Cacá Ottoni) se sente invisível enquanto sonha com o “pseudointelectual” Felipe (Johnny Massaro). Ela sofre preconceito porque nunca foi à Disney e acaba atrapalhando a festa de Natal dos colegas depois que fingi ter lido a obra de um conceituado autor francês.
Como se pode perceber, a mentira (essa bichinha de perna curta) é a verdadeira protagonista de todas as situações retratadas em O Auto da Boa Mentira que, tendo sido originadas pelo inigualável texto de Suassuna e brilhantemente transformados em roteiro por João Falcão, Tatiana Maciel e Célio Porto, resultaram numa excelente obra cinematográfica. Incrível como o clima muda a cada conto, viajando de um hotel para o circo, passando por uma favela para finalmente chegar a uma empresa de publicidade. Ponto para a equipe de produção, uma vez que tal façanha não é fácil de se realizar, ainda mais quando faz parecer até que estamos assistindo a uma microssérie de quatro episódios isolados “tudo junto e de uma vez!”
Outra questão em que o filme se destaca é o humor inteligente e eficiente que sabe brincar dentro do contexto! Ao ser confundido com o comediante no primeiro episódio, todos os fãs dizem para Helder que ele está irreconhecível porque perdeu muito peso, jogando para o público a realidade dessa exata situação que aconteceu com Leandro Hassum. Já no último episódio que está cheio de pseudointelectuais, uma das personagens diz que ir à Disney é como entrar num rio: a cada vez é um experiência diferente, numa clara referência à famosa frase de Heráclito.
Sendo assim, esse é um filme do qual nosso espírito brasileiro pode se orgulhar! Cabra bom esse Ariano Suassuna e que direção bem feita desse Belmonte! Nós agora temos dois Autos, um que é da Compadecida e outro que é da Mentira, e se aquele foi sucesso, esse também tem o mesmo potencial, afinal são dois pontos altos do nosso cinema.
Uma resposta
Esse quero ver,depois da crítica então,ainda mais.