“Sabe o que Lênin disse sobre a Apassionata de Beethoven? Se eu continuar ouvindo, não levarei a cabo a Revolução.”
Não é difícil perceber a força dessas palavras pronunciadas na mais bela cena de A Vida dos Outros (Das Leben der Anderen, 2006*)*, de Florian Henckel von Donnersmarck. As mãos de Christa-Maria (Martina Gedeck) estão sobre os ombros de Georg Dreyman (Sebastian Koch) enquanto ele dedilha as teclas do piano tocando Sonata For A Good Man. Em paralelo, o sisudo Wiesler (Ulrich Mühe), agente da Stasi – a polícia secreta da Alemanha Oriental -, ouve clandestinamente a melodia. Uma lágrima escorre por seu rosto. E assim, em menos de um minuto, toda a dor e toda a culpa causadas pelo socialismo real nas terras germânicas de 1980 estão ilustradas.
Foi em torno dessa cena que, por meio de uma sutileza amarga, Donnersmarck construiu sua obra-prima, porque não há outro definição para essa película. Nela não há alegria, não há colorido, não há nenhum alívio. Só há sorrisos falsos e tensão permanente enquanto as pessoas lutam para sobreviver dentro de um sistema implacável. É de uma beleza assustadora. Porém, não é isso o que mais chama a atenção em A Vida dos Outros. A genialidade dessa obra está na forma em que ela mostra toda a violência a que a sociedade estava submetida diariamente. Donnersmarck mantém os tons pasteis de sua fotografia durante todo o tempo, e o vermelho do sangue jamais aparece. A violência é psicológica e moral. Não é aquela que leva à explosões de ódio, punhos e armas, mas aquela que leva ao suicídio lento e angustiante. É brutal e, de alguma forma, delicado ao mesmo tempo.
De outro lado, as escolhas estéticas do diretor – desde os artefatos reais que ele obteve de museus e colecionadores até a paleta de cores da película – revelam o cuidado que ele teve para retratar a realidade daquela época terrível enquanto nos conta a história do agente da Stasi que, ao investigar um escritor e sua amante, acaba irremediavelmente envolvido em suas vidas. A atuação de Mühe como agente da polícia secreta é comovente. Nós nos solidarizamos com seu personagem à medida que ele vai conhecendo a verdadeira face do sistema que ele estava ajudando a manter.
E independente disso, o grande mérito de Donnersmarck está em conseguir mostrar o que é a arte e o poder que ela pode exercer na alma humana. Aqui eu invoco aquela frase do começo deste texto, em que uma simples música quase levou Lênin a desistir de sua causa e, na própria história do filme, a sensibilidade de Dreyman, um proeminente escritor, e Christa-Maria, uma grande atriz, foi capaz de transformar o mais duro dos corações. É de arrepiar!
Mesmo assim, A Vida dos Outros não pode se gabar de ser o mais dinâmico dos filmes. Pelo contrário, seu roteiro é lento, mas a qualidade que possui é indiscutível. Com diálogos e cenas simples, o longa foi capaz de retratar toda a densidade daquela época em que um muro dividiu uma pátria, a censura era a regra, todos eram espiões, e a vida das pessoas corria no fio afiado de uma navalha.
*Disponível na Amazon Prime.
Respostas de 2
Parece ser muito bom filme, ótima critica.
Será q a crítica é melhor q o filme? Vou conferir. Ótimo texto!