Fazer comédia não é fácil; transformar uma comédia em clássico, muito menos possível. Existem alguns elementos capazes de tirar um filme da prateleira de seus pares e alçá-lo a uma categoria acima. O motivo que faz de Divórcio à Italiana, filme de 1961, dirigido por Pietro Germi, um clássico tem nome e sobrenome: Marcello Mastroianni.
Divórcio à Italiana trata dos infortúnios do barão Fernando Cefallú (Marcello Mastroianni), casado com Rosalia (Daniela Rocca), uma mulher que ele considera pouco atraente. Ele apenas se mantém casado pela convenção social da época. A convenção: a impossibilidade do divórcio. O título entrega uma interessante brincadeira, pois o divórcio era proibido na Itália da época. Portanto, entende-se como “divórcio à italiana” todas as confusões que permeiam o filme.
Fernando, apesar de sua origem aristocrática, passa por algumas dificuldades financeiras, agravadas pelo estilo de vida dele e de sua esposa. Recusa-se a arrumar emprego e mora em uma espécie de cortiço com os tios da sua esposa, além de outros parentes. No meio dessa vida de aparências, ele desenvolve uma paixão arrebatadora por sua prima Angela (Stefania Sandrelli).
Aqui há uma mistura interessante para os espectadores que, porventura, irão correndo assistir ao filme após a leitura da crítica. Além de ser prima, Angela é uma colegial no auge dos seus 16 anos. Não entendam mal, isso já tinha uma certa dose de mau gosto na época. Esse reconhecimento o torna genial, uma vez que Fernando, sendo um pervertido infeliz, age tal qual Humbert Humbert de Lolita (livro de Nabokov, de 1955). Ou seja, sendo um narrador cheio de desvios morais, correndo atrás de uma adolescente, transmitindo uma carga de vilania no protagonista.
Mas como então o nosso barão vai perseguir a jovem, se o divórcio não é legal e simplesmente trocar a esposa por sua prima adolescente causaria um grande choque em sua família? Após alguma pesquisa, encontra a solução: a legislação italiana “protegia a honra” de um homem traído por sua cônjuge, permitindo até que ele a matasse sem grandes implicações legais, além de uma pena leve (algo que inclusive existiu no Brasil até 2023). Logo, o plano seria induzir sua esposa a traí-lo para depois matá-la e finalmente poder casar-se com Ângela. Genial, não?
É com o desenrolar desse plano que conseguimos ver a habilidade de Mastroianni. Ele consegue transmitir todas as camadas dessa personagem detestável que, ao mesmo tempo, se torna suficientemente interessante. Graças a suas caras e bocas, somos tragados por essa história torta, mas que garante excelentes risadas. A atuação de Daniela Rocca também entrega muita emoção ao interpretar uma esposa carente e fiel, que precisa lidar com uma família que adora brigar e um marido com uma moral torpe.
O filme pode parecer um pouco repetitivo até o momento em que o barão Fernando encontra a solução para seus problemas. Porém, depois disso, e sobretudo a partir da segunda metade da película de Piero Germi, é impossível não rir das sacadas cada vez mais politicamente incorretas e engraçadas das situações decorrentes das armações do protagonista.
O desfecho, que reservo o direito de não revelar, já que Divórcio à Italiana merece ser visto principalmente por quem ainda não o conhece, traz uma boa amostra da capacidade do cinema italiano de representar uma vasta gama de emoções e soluções inteligentes para criar grandes histórias. Este filme é, acima de tudo, um excelente exemplo de como é possível ser politicamente incorreto e, ao mesmo tempo, criticar costumes e questões problemáticas sem perder a graça ou ofender. Por esses motivos, principalmente a atuação de Mastroianni, o filme de Germi merece ser considerado um clássico, que pode ser assistido para se divertir, chocar, se emocionar e, principalmente, para refletir!
