Dirigido por Satoshi Kon (do também brilhante Perfect Blue), Paprika é um deleite visual que desafia a lógica e mergulha de cabeça na fragilidade das fronteiras entre sonho e realidade. A trama gira em torno da Dra. Atsuko Chiba (Megumi Hayashibara), uma psiquiatra reservada, e de Paprika, seu vibrante alter-ego onírico que, por meio de um dispositivo experimental chamado DC Mini explora os sonhos de seus pacientes e os trata de dentro para fora. No entanto, quando o aparelho cai nas mãos erradas, o caos reina: sonhos começam a invadir o mundo desperto em uma espiral surrealista.
Paprika é um triunfo absoluto de animação. As sequências oníricas se desenrolam como uma colagem hipnotizante de cores, formas e transições impossíveis — o que, em mãos menos habilidosas, poderia soar apenas como confusão visual, mas aqui captura com precisão a lógica fluida e imprevisível do inconsciente. Certas montagens visuais são estonteantes a ponto de tirar o fôlego.

Cabíria nos convida a acompanhá-la em uma íntima descoberta de amor, sofrimento, redenção, liberdade, e acima de tudo, humanidade.
A trilha sonora de Susumu Hirasawa, por sua vez, mistura sintetizadores e melodias etéreas para reforçar essa sensação de estarmos entre dois mundos, suspensos entre o racional e o intuitivo.
O longa não é apenas um espetáculo, é também inegável em sua substância. Questões sobre uso ético da tecnologia, os perigos do escapismo, e principalmente sobre identidade e máscaras sociais transformam o encanto em um filosofar crescente. É verdade que o ritmo veloz e a densidade temática de Paprika podem causar certa confusão em uma primeira visita. Algumas tramas paralelas, como o romance entre Chiba e Tokita (Tôru Furuya), surgem de maneira abrupta e talvez merecessem mais espaço. Ainda assim, essas imperfeições não comprometem o impacto da obra.
Confesso que a temática do sonhar é algo que me toca profundamente. Não é incomum que eu reflita sobre meus próprios sonhos me questionando o que Paprika e Morpheus (do excelente Sandman, de Neil Gaiman) teriam a dizer sobre meus delírios; discernimentos muito distintos eles me trariam, tenho certeza.
Por fim, somente quero dizer que comparações entre Paprika e A Origem são inevitáveis, porém injustas. A ausência de um bom advogado é que me impede de acusar Christopher Nolan de plágio, mas para além disso, o filme de Satoshi Kon tem a enorme vantagem de possuir um enredo que realmente faz algum sentido.