Crítica de filme

Crítica | “365 dias” é uma colcha de retalhos mal executada

Publicado 4 anos atrás
Nota do(a) autor(a): 1,5

ATENÇÃO! Esse texto pode conter spoilers!

Massimo (Michele Morrone) é membro de uma família da máfia siciliana; Laura (Anna Maria Sieklucka) é diretora de vendas. É na Sicília que seus caminhos se cruzam enquanto Laura tenta salvar seu relacionamento, Massimo vê nela a mulher com quem sempre sonhou, então decide sequestra-la e oferece a ela um prazo de 365 dias para se apaixonar por ele.

Assim que 365 Dias começou a ser divulgado, o primeiro sentimento que esse filme gerou nas pessoas foi revolta. O que tem acontecido com essas escritoras ultimamente? Sério, é incompreensível que mulheres conscientemente escrevem histórias enaltecendo abuso, machismo e estupro, colocando tudo na caixa do romantismo só para utilizarem o sexo como “clickbait”. Como ousam?

Dito isso, a impressão que dá ao assistir a mais nova obra da Netflix é a de de testemunhar um acidente de carro que, por mais horrível que pareça, você não consegue desviar o olhar. O filme não tem muitos trunfos, mas deve-se reconhecer que ele prende a atenção do espectador do começo ao fim – o que supera o outro filme do gênero 50 Tons de Cinza. Falem o que for de 365 Dias, mas pelo menos os acontecimentos do longa são mais frenéticos, as cenas de sexo tem qualidade e a protagonista só é burra, ao invés de lerda.

Sobre o roteiro – pessoalmente não gosto de achar que tenho autonomia para analisar os aspectos técnicos de um filme -, é fácil saber se é bom ou ruim (no caso desse é péssimo, porém nem todo filme com um texto fraco pode ser ruim, e aqui vai o grande plot twist dessa crítica.

Para mim, 365 Dias não é o pior filme do mundo – meu lado feminista está me dando uma surra nesse momento -, mas não fosse a premissa doentia, até que dava pra curtir a história, pois ele entra na categoria de guilty pleasure. Afinal, não sempre que estamos no clima para assistir um ‘filme cabeça’ com uma trama super elaborada. Tem dias que o cérebro precisa de um descanso, e esses filmes, por mais idiotas que sejam, são a massagem necessária para a mente sobrecarregada.

A atuação de Anna Maria Sieklucka me agradou muito mais do que a de Dakota Johnson em 50 Tons de Cinza. Por mais idiota que sejam suas ações, Laura pelo menos tem personalidade e faz questionamentos que qualquer uma faria naquela situação. O problema é quando a história puxa ela da realidade e a colocando na posição de seduzir o mafioso de moralidades distorcidas apenas por capricho do roteiro para evoluir a história – tal qual o enredo de um soft porn faria. Ninguém em sã consciência tomaria as atitudes que ela tomou só porque o cara é bonito e rico. Querida, você foi sequestrada! Qualquer aspecto desse relacionamento voltaria para esse fato odioso.

Falando em Massimo, é louvável como alguém consegue criar um personagem que supera a barreira do absurdo. Ele é alguém com complexo de tamanho, tenta se passar por bom moço só porque pune um familiar por cometer escravidão infantil e quer tomar as coisas a força. Basicamente ele não sabe definir suas prioridades e pensa que a melhor forma de conquistar a garota que inspirou suas visões baseadas na Pequena Sereia, é sequestra-la para ficar junto. O que aconteceu com o bom e velho jantar e cinema? Cadê a simplicidade? Onde estão os encontros fofinhos dos anos 80? Já que a autora Blanka Lipinska bebeu das fontes erradas de forma tão descarada, porque não bebeu do jeito certo em mais uma? Na verdade ela bebeu: foi na Bela e a Fera, mas ela se esquece de que esse é um conto muito frágil para ser adaptado, especialmente quando você vai inserir um protagonista revoltante e cenas hot.

365 Dias não passa de um emaranhado mal feito de contos de fadas e um desejo muito forte de ter um Michael Corleone como protagonista. Esse que se contradiz o tempo inteiro, prometendo não tocar na Laura para na cena seguinte pega-la pelo pescoço como se fosse uma boneca de pano. O destaque de Michele Morrone é apenas em sua beleza, mas descobrindo outros vídeos do ator, é surpreendente que ele desperdice seu talento vocal pra aparecer nesse projeto. Péssimo jeito de começar uma carreira no cinema. Vai entender!

O filme é recheado de cenas absurdas envolvendo uma falsa química, incluindo a pérola de fazer a protagonista assistir outra mulher fazendo sexo oral no aspirante a mafioso apenas para deixa-la com vontade. Ok, da última vez que eu chequei, existem outras formas de seduzir uma mulher, como, sei lá, não sequestrando ela. Então é não dá pra conceber a química latente entre os atores, enquanto a história gera no mínimo constrangimento.

Outro elemento que supera a adaptação de E.L. James é o ritmo da história. 365 Dias consegue entregar em um filme o que 50 Tons de Cinza jamais conseguiu fazer em três. Além da qualidade nas cenas de sexo, entrega uma proposta de casamento e dois atentados – quem é 50 Tons de Cinza na fila do pão? No final das contas a execução é horrível de qualquer maneira.

Mas o que realmente dói nesse filme é o potencial desperdiçado de um gênero que poderia ir em uma direção a favor das mulheres, pois o gênero feminino não chegou em uma posição de poder onde os homens sempre estiveram. O sexo é um bom tema, gera curiosidade e dinheiro, mas é aplicado da maneira errada para o público feminino. São criadas histórias que passam a mensagem errada em todos os sentidos, não importa o quão bom seja o cenário, figurino ou a beleza dos atores.

A realidade é que as protagonistas dessas histórias estariam em um barraco sendo estupradas diariamente e é isso que acontece no mundo: homens poderosos que tratam mulheres como mercadoria. Não existe final feliz, não existe vida despreocupada de pagar os boletos enquanto está no Iate de um milionário “romântico”.

É por isso que me senti culpada de ter apreciado – nem que seja um pouco – esse filme. Acredito que muitas mulheres são atingidas da mesma forma pela pergunta que não quer calar: porque o abuso ainda é romantizado? Porque essas escritoras acham que o desejo mais íntimo de uma mulher é ter esse tipo de tratamento? E por que consumimos essas histórias?

Então fica aí o questionamento.

Encerramento 1: A sociedade mudou muito, e sei que muitas mulheres tiveram nojo desse filme, mas muitas, assim como eu, foram fisgadas, nem que seja um pouquinho – veja no twitter.

Encerramento 2: Em muitos filmes de romance, existe o namorado inicial da protagonista que se mostra completamente negligente, o que faz a história justificar a traição da namorada. Como devemos chamar esse padrão?

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365 dias poster
País: Polônia, Itália
Direção: Barbara Bialowas, Tomasz Mandes
Roteiro: Tomasz Klimala, Tomasz Mandes, Barbara Bialowas
Idioma: Inglês, Italiano, Polonês

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