Gostaria de começar esse texto dizendo que eu não faço parte da comunidade LGBTQ+, então em momento nenhum vou tentar utilizar meu lugar de fala para tentar reproduzir um discurso de luta e superação vivida por essas pessoas, que são corajosas todos os dias. O que pode ser afirmado aqui é que como indivíduo, possuo grande respeito, admiração e amor por essa comunidade. Irei apenas comentar minhas impressões sobre a adaptação cinematográfica do musical A Festa de Formatura, mas com grande consciência de que essa voz é de vocês!
Então, vamos à crítica?
A opinião de um crítico pode fazer ou destruir um show. Foi nesse cenário de poder que se inicia o mais recente filme de Ryan Murphy. A trama reúne um grupo de estrelas da Broadway que tenta lidar com uma crise de relações públicas ao ajudar uma estudante lésbica do ensino médio a conseguir o baile que merecia. A comédia musical mostrou como o quarteto de estrelas do teatro narcisista se ajustam e tentam mudar uma cidade conservadora de Indiana, EUA, um lugar onde os preconceitos sobre a homossexualidade ainda são galopantes.
Quem está familiarizado com o trabalho de Ryan Murphy sabe bem que o diretor tem sua margem de erros e acertos, então acompanhar um projeto dele é sempre uma roleta russa em que você não sabe bem como o enredo irá se desdobrar. Apenas uma coisa é certa: exagero e figurinos ostentosos. E isso não foi diferente com o novo filme da Netflix.
Além da ambientação, Ryan não mediu esforços para rechear o filme com um elenco opulento, a começar do óbvio: Meryl Streep. Ela é uma estrela da Broadway que encontra dificuldade em se manter relevante no cenário dos musicais graças à sua personalidade autocentrada. A essa altura é até irrelevante falar do talento dessa mulher, vocês sabem que ela é impecável em tudo, e aqui não é diferente.
Ao lado dela temos o personagem de James Corden, um homem que se esforça para vencer em sua carreira. Na pele de Barry ele entrega bastante glamour, comédia e uma boa dose de drama. Para fechar o bando, temos Nicole Kidman como uma atriz de coro que nunca encontrou sua grande oportunidade (tente comprar a ideia de que ninguém daria uma chance para essa perfeição). Andrew Rannells é uma celebridade fuleira da TV que, em determinado ponto, faz você querer que o seu personagem Trent funde uma igreja. E você faria parte dela!
Assim que o filme começa você fica entediado. Sim, o pontapé do musical é fraco e vazio, mas pouco a pouco, é perceptível que Ryan criou a ambientação perfeita. Ele te fisga com algo tão fraco e superficial quanto o espirito daqueles personagens apresentados até então. À medida que a história vai avançando, um verdadeiro fã do gênero percebe porque ama tanto um musical. Ele vai crescendo dentro de você, te colocando cada vez mais dentro daquele mundo e, quando somos apresentas a Emma (Jo Ellen Pellman), fica claro o motivo de esse filme ser tão encantador.
Assim que a garota solta a primeira nota você percebe o contraste que ela tem daquele grupo de estrelas. Uma adolescente modesta de cidade pequena mostra muito mais espírito em uma frase cantada do que todo naquele número egocêntrico de abertura do filme. É graças a energia de Emma e de sua situação, que essas celebridades passam a sofrer uma metamorfose genuína. Ao fim do filme você vai acabar rindo e chorando ao mesmo tempo.
Com relação ao restante do elenco, Kerry Washington brilha como sempre na pele de uma mãe conservadora, papel no qual você nunca iria imaginar ver a intérprete de Olivia Pope. Keegan-Michael Key é um diretor adorável que toda escola deveria ter e sua performance nos hipnotiza toda vez que está em tela.
O filme passa lições valiosíssimas que, se o espectador estiver aberto para a experiência, pode transformar um dia turbulento. Apenas Ryan Murphy consegue criar esse sentimento. Apesar de ele fazer muita coisa na indústria, quando ele acerta, sua mensagem é passada lindamente. São os pequenos atos que tornam um movimento gigantesco, e foi isso que aconteceu nessa história.
Apesar de ser uma adaptação de um espetáculo já existente, abordar o tema LGBTQ+ no cinema não é fácil e pode cair em muitos estereótipos infelizes. Contudo, Murphy faz parte da comunidade e faz questão de enaltecê-la em seus projetos.
Assim, inicialmente Emma só quer o que qualquer pessoa quer: viver seu amor livremente e não fazer parte de um movimento, mas infelizmente, vivemos em um mundo em que isso não é uma possibilidade para as pessoas desse grupo, ainda!
Então ela decide fazer as coisas do jeito dela, sem influências ou ajuda. Ela é autossuficiente e, quando decide se posicionar pelo que ela quer, temos um desfecho como o de A Festa de Formatura. Quando as pessoas vão entender que ser gay, trans, lésbica, bi, etc. não é sobre forçar uma sociedade a aceitar um estilo de vida? Eles só querem liberdade para ser quem são, o que tem de tão errado nisso?
Ao contrário de uma sociedade seletiva que prega o que é certo ou errado, essa comunidade aceita a todos e qualquer um. Celebram as diferenças e se amam apesar de todo o sofrimento e rejeição, por isso, essa consegue ser uma das comunidades lindas do mundo.