Uma das maiores manchas da História da humanidade, a Segunda Guerra Mundial inspirou e ainda inspira muitos autores em seus livros e filmes. Esse capítulo – relativamente recente – sempre será capaz de causar espanto, dor e solidariedade pelos que viveram seus horrores. E é nesse terrível acontecimento que o longa russo A Guerra de Anna (Voyna Anny), do diretor Aleksey Fedorchenko, lançado na plataforma de streaming Cinema Virtual, também se baseou.
Estamos em novembro de 1941, em uma zona de ocupação alemã e, logo na primeira cena, a tristeza que permeia todos os 74 minutos do filme já se faz presente: somos inseridos em um campo de extermínio de judeus, cheio de corpos meio cobertos pela neve. Além disso e sem mais delongas, também somos apresentados ao estilo de filmagem escolhido por Fedorchenko: o plano muito fechado e os movimentos lentos de câmera, técnicas que acabam causando certa ansiedade no espectador. É nesse ínterim que nunca vemos um corpo inteiro, mas a mão de um cadáver e, em seguida, o pedaço da perna do outro… – é a claustrofobia e a pressão da guerra se fazendo presente desde a origem da película.
Assim, é bom deixar claro que, antes de qualquer coisa, é a técnica utilizada no conjunto final da obra que chama a atenção, muito mais do que o próprio enredo, que quase não existe – estamos diante de um diário extremamente triste, o relato do dia a dia de uma vítima da guerra: Anna (Marta Kozlova), a única sobrevivente de uma chacina nazista.
Partindo dessa premissa, além do plano que praticamente nunca se abre, como já mencionado, insta dizer que a trilha sonora também cumpre perfeitamente seu papel na atmosfera desoladora desse filme. É por isso que A Guerra de Anna se torna um excelente exemplo de como o silêncio pode ser usado como recurso imprescindível para uma narrativa específica, e casou perfeitamente com a história em análise. Os sons que se ouvem são só os ambientais – o farfalhar das folhas, a chuva caindo -, com uma meia dúzia de palavras trocadas aqui e ali e uma ou outra nota musical eventual (até o piano com que Anna brinca em dado momento, pressionando suas teclas, está estragado e não produz som algum). A própria protagonista não pronuncia uma palavra sequer e, mesmo assim, está presente em todas as cenas. Dela só escutamos os passos, a respiração ansiosa e o choro – ruídos nada inspiradores.
Ora! É claro que estamos falando de um Cinema com o qual não estamos muito acostumados e, reparar nessas detalhes é no mínimo interessante, mesmo que não nos identifiquemos com eles. A Guerra de Anna é quase um filme mudo (relativamente falando, já que me refiro somente à quase ausência de diálogo e música), mas dentro de sua proposta, é mais do que instigante e extremamente bem feito. Passa com perfeição a mensagem que se propõe a passar de uma forma que, embora não inédita, é bem diferente do que somos habituados por aqui.
Assim, assistimos ao filme quase que em primeira pessoa, vendo somente o que Anna vê, ouvindo somente o que ela ouve, acompanhando a guerra pelo desaparecimento gradual das pessoas que frequentavam a escola em que ela tão habilmente se mantém incógnita – o que significava que, naquele momento, os alemães avançavam.
E mesmo assim, sem fala, a atuação de Marta Kozlova é encantadora e comovente, ainda mais levando em conta que, à época das filmagens (o longa é de 2018) ela contava com apenas 6 anos de idade. Sua voz não é física, mas se faz muito bem ouvida para quem se propõe a escutar (ou seja, para quem assiste ao filme!).
Não obstante, não vou mentir. A Guerra de Anna não é um filme leve nem fácil de assistir. Fala de perdas, do silêncio opressor da iminência da guerra; fala de um tempo sombrio que se apresenta habilmente na fotografia do filme – às vezes, a própria protagonista é filmada contrastando com a luz, tornando-se assim totalmente preta, uma sombra de si mesma. É um filme que em só um plano fechado, mostra toda a feiúra da guerra e a beleza da esperança, apresentada na forma de uma criança que, mesmo passando por tudo o que passou, luta com toda a garra pela sobrevivência – que incríveis paradoxos!
Abrindo um parênteses, aproveito aqui para mencionar, a título de curiosidade, duas outras Annas da História que vieram à minha mente enquanto assistia ao longa. A primeira é Anastácia Romanov, ou simplesmente, Anna, a princesa russa que virou lenda e, exatamente como nossa personagem principal, teria sobrevivido a uma chacina quando os corpos de seus familiares caíram sobre o dela, protegendo-a das balas de seus algozes bolcheviques. Ela tinha somente dezessete anos. A outra é a não menos conhecida Anne Frank, adolescente que, durante a Segunda Guerra, passou dois anos escondida em um sótão em Amsterdã e morreu, aos 15 anos, em campo de concentração alemão. A garota também tinha origem judaica.
Referências a parte, no entanto, a Anna de Fedorchenko tem personalidade própria e, mesmo com tão pouca idade e sem articular uma só palavra, consegue cativar e tocar o coração do público.
A Guerra de Anna é triste sim, mas belo. É pesado sim, mas necessário. E é silencioso também, mas tem muito a dizer.
Respostas de 4
Histórias tristes são fatos ,a trajetória de nossa humanidade “errante” ė marcada por sofrimentos,e tb alegrias,Anna não compreende porque deve sofrer,mas enxerga que a Vida ė importante e precisa perservá-la,o rapaz que lhe entrega uma bomba,retorna e em momento de lucidez, pega de volta o explosivo,enxerga com lucidez a pureza e inocência de um anjo sofrido,chamada Anna💚
❤❤❤
Flávia, sua interpretação do filme é tão rica em detalhes que é impossível não assistiu-li!!! Não sei sinceramente o que mais gosto, se de vc analisando o filme, ou ele propriamente dito!!! Tenho que assistir!!!!!
Bjo
Silvana
Haha! Adorei a mensagem!!! Obrigada! 😉