Crítica de filme

A Mais Preciosa das Cargas

Publicado 35 minutos atrás
Nota do(a) autor(a): 3

Uma mão em um trem a caminho de Auschwitz lança um bebê para o infinito branco da neve sobre os trilhos. Poucos metros dali, a esposa de um lenhador ora para que o deus-trem não os abandone nem os deixe mergulhar em (mais) miséria. 

Assim começa A mais Preciosa das Cargas, novo filme de Michel Hazanavicius e sua primeira animação. A história, que acontece durante a Segunda Guerra Mundial, mostra-nos um casal que compartilha ideias diferentes sobre a sua incapacidade de terem filhos. Ela, se ressente, mas por acreditar ser uma intervenção divina, aceita a condição do marido, este que não se abala, já que é uma boca a menos para alimentar durante esses tempos de crise.

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A “carga” acaba amaciando o coração do marido que, aos poucos, vai se entregando à condição de pai, mesmo que isso represente um perigo. E, invariavelmente, é. Esse é um ponto muito esquisito do filme, pois a criança sempre leva destruição por onde passa, e, graças as leis que perseguem judeus, ela é motivo de conflitos e o filme faz questão de reiterar isso. 

Chama atenção quando há um rompimento com a fé, ao enterrar mais um aliado na proteção da garota, a esposa percebe que a única coisa boa que recebeu, a carga, não foi obra de intervenção divina, mas uma infeliz coincidência do mundo dos homens.

Esse sentimento sombrio acompanha toda a obra, inclusive na segunda parte, que mostra a mão que jogara a carga do trem, seu pai. Essa estrutura permite um encontro melancólico entre pai e filha, no qual ela se assusta com a figura cadavérica que aparece na sua frente em uma noite, sem saber de quem se trata.

Mesmo com esse espírito desolador, há, no filme, uma busca pelo bonito e singelo, alcançado pelos belos desenhos do próprio diretor, inspirado pelo pintor pós-impressionista francês Henri Rivière. Os contornos grossos dos personagens criam rapidamente uma identidade, que se mostra bem versátil ao conseguir operar tanto em momentos de tensão quanto nos mais tenros.

A Mais Preciosa das Cargas possui mais qualidades estéticas do que textuais, com tomadas de decisões que muitas vezes parecem dissonantes ao subtexto do filme, como o rastro de destruição deixado pela garota chamando atenção de forma negativa, enquanto o visual do filme é identitário, fresco mas que parece conversar com uma interessante tradição pictórica francesa. Não sabemos se há planos para Hazanavicius continuar no mundo das animações mas, se o fizer, talvez seja uma grande adição à galeria moderna do gênero.

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a mais preciosa das cargas poster

A Mais Preciosa das Cargas

La Plus Précieuse des Marchandises
14
País: França
Direção: Michel Hazanavicius
Roteiro: Michel Hazanavicius, Jean-Claude Grumberg
Elenco: Dominique Blanc, Grégory Gadebois, Denis Podalydès
Idioma: Francês

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