Toda cultura possui suas lendas urbanas e muitas delas semelhantes entre si. Seja a Maria Sangrenta na cultura americana, ou as versões brasileira (A Loira do Banheiro), japonesa (Hanako) e espanhola (Verônica), todas possuem histórias de mortes trágicas e que são invocadas (geralmente através de um espelho) quando seus nomes são chamados três vezes, voltando a vida para realizarem suas vinganças. Hollywood cansou de adaptar ou criar variações dessas histórias (até uma versão masculina, em O Mistério de Candyman (1992), que ganha uma nova visão ainda esse ano). E agora é a vez da Rússia apresentar a sua versão em A Maldição do Espelho, que chega às telas brasileiras com uma inacreditável dublagem em inglês (mais sobre isso a seguir).
Olga (Angelina Strechina) e Artyom (Daniil Izotov) são dois irmãos que, após perderem a mãe em um trágico acidente e serem abandonados pelo pai ausente, são enviados para morar em um internato particular no meio do nada. A irmã mais velha faz de tudo para escapar enquanto o pequeno Artyom começa a ouvir o chamado de sua falecida mãe ecoando nos corredores da escola. Ao procurar por ela, Artyom, com a “ajuda” de Olga e outros alunos, vai liberar o espírito maligno da Rainha de Espadas, um ser que habita os reflexos dos espelhos da propriedade e que de acordo com as lendas pode realizar desejos.
Se a história já não é digna de nota, a execução consegue ser pior ainda. A começar pela escolha da distribuidora de lançar o filme sem o áudio original russo, utilizando assim uma tenebrosa dublagem em inglês que consegue destruir qualquer tentativa de assustar ou transmitir qualquer emoção ao público. Isso não se refere somente às atuações dos dubladores, mas também à mixagem de som, que não leva em consideração os diferentes ambientes que os personagens se encontram, apresentando uma clareza uniforme aos diálogos que só faz quebrar nossa imersão na história. Além disso, alguns personagens tiveram seus nomes anglicizados, ora de forma sutil (Olya para Olga), ora nem tanto (Zhenya para… Eugene). A adaptação do texto para o inglês chega até a fazer piada com o fato de que a escola lembra uma Hogwarts onde esqueceram de pagar a conta de luz, fazendo com que a patricinha do grupo chame o nerd “Eugene” de Dobby.
A essa altura você deve estar se perguntando: se tivessem optado pelo áudio original, o filme seria melhor? E a resposta para isso é muito simples, meu caro leitor. Um pouco. Mas muito pouco. Porque se tirarmos o problema da dublagem da análise, que afeta também a análise das atuações, ainda teríamos inúmeros pontos para salientar contra a película. Dos personagens unidimensionais, como a menina obesa cuja todas as cenas e falas são relacionadas à comida, à diretora que parece a todo momento ter algo a ver com a Rainha de Copas até ser limada da história no terceiro ato do filme sem maiores cerimônias, até os sustos telegrafados a quilômetros de distância em cenas que fazem pouco ou nenhum sentido. Em dado momento do filme nos é apresentado um boneco com rosto sinistro (porque todo filme de terror precisa de um, certo?) que também logo fica no meio do caminho, esquecido em algum canto da Escola Para Superdotados Que Conseguem Enxergar No Escuro Porque Meu Deus Que Lugar Sem Luz Do Professor Xavier.
Enfim, talvez nem os fãs mais ardorosos dos filmes de terror darão uma chance para esse longa. Não é a primeira vez que esse tipo de produção ganha as salas de cinema. A Noiva (2017) e A Sereia (2018) já devem ter feito os espectadores sofrerem o suficiente. É melhor chamar a Loira do Banheiro.