Sim, parece confuso, e talvez seja um pouco. Almodóvar se uniu à sua amiga Tilda Swinton, e gravaram A Voz Humana (The Human Voice) durante a pandemia. A própria Swinton diz que sua personagem é uma atriz, e que toda a história é sobre fingimento (faking). Algo que me chamou a atenção é exatamente o fato de que muitas vezes deixa-se explícito que estamos vendo um filme, se a história é sobre fingimento, antinomicamente Almodóvar expõe a simulação de um mundo: um exemplo claro disso é um plano em que vemos claramente que a casa da protagonista é um cenário.
E se o principal mecanismo de plot é o telefone, fica ainda mais fácil fingir, já que somos muito mais capazes de imaginar uma voz agradável (por exemplo) quando estamos super bravos, do que pessoalmente, quando muitas vezes a linguagem não verbal do nosso corpo diz tudo por si só.
O curta baseado livremente na peça de Jean Cocteau tem toda essa construção sobre o que é atuar, fingir, mentir, para que, no terço final, mostre o quão emancipador pode ser contar uma boa verdade na cara de alguém. Assistindo, não pude deixar de lembrar do filme de Ricky Gervais, O Primeiro Mentiroso (2009) – disponível no Prime Vídeo no momento que esse texto é publicado – que tem uma abordagem parecida, mas que funciona ao contrário.
Outro longa que me veio à mente enquanto assistia à A Voz Humana foi Midsommar (2019), de Ari Aster. A relação é construída, é claro, com o final catártico (e em certo nível empoderador) das duas protagonistas.
Esse curta é especialmente interessante tendo em vista o momento em que foi produzido: como citado acima, durante a pandemia. Na excelente entrevista conduzida por Simon Mayo (disponível no YouTube), a própria atriz afirmou que acreditava que o filme era um monólogo – ou seja, não há ninguém do outro lado do telefone, ela está ali falando sozinha.
Isso é intrigante porque o filme pode ser também uma metáfora sobre o que passamos nesse período tão marcante e complicado da história humana. Várias pessoas se viram presas em casa durante a pandemia e depois de tanto tempo, sem a avalanche da vida para interrompê-la, acabaram enclausuradas em seus próprios pensamentos.
Muito mais que uma manifestação expressiva sobre o ato de fingir, A Voz Humana é também uma metáfora de como foi preciso lidarmos com nós mesmos durante o lockdown, com nosso passado e com nosso futuro, mas especialmente com nosso presente.
*Filme assistido graças ao Screener disponibilizado pela Synapse Distribution, e que estará disponível – em versão legendada -, para compra e aluguel nas plataformas Now, Amazon Prime, Vivo Play, Google Play e YouTube Filmes.