O abraço de mãe é, geralmente, o lugar mais seguro do mundo, quente, confortável e acolhedor, o maior e o melhor porto seguro de uma pessoa. Ou pelo menos deveria ser assim, porque quando o contrário acontece, o trauma pode ser imenso e, muitas vezes, nunca chega a ser superado. É esse o assunto que o diretor argentino Cristian Ponce aborda nesse novo longa de horror nacional da Netflix, de forma um tanto quanto visceral.
São obras assim que, às vezes, me impressionam e fazem perceber o quão bons nós somos em fazer produções de gênero, quando ousamos nos aventurar nelas e abraçá-las, como uma mãe faria. Foi assim com o excelente Supermax, em 2016, é assim agora, em Abraço de Mãe.
E Abraço de Mãe usa do terror para falar de trauma, em uma quase relação de metalinguagem. A pequena Ana luta para enfrentar seu passado, marcado por um terrível incêndio que feriu sua pele e a separou de sua mãe, uma mulher claramente perturbada que dopava a filha que ela criava sozinha. Anos mais tarde, inevitavelmente, Ana se torna bombeira, e Marjorie Estiano surge para encarnar essa personagem cheia de complexidades. Sua atuação é magistral, explicando, mais uma vez, porque ela é considerada uma das maiores atrizes de sua geração.
O pano de fundo da história é um fato real: o temporal que inundou o Rio de Janeiro em 1996, o mesmo dia em que Ana e sua equipe recebem um chamado para checar um asilo que, aparentemente, corria o risco de desabamento. Mas essa tarefa simples acaba se tornando uma noite de horror, protagonizada pelos estranhos e misteriosos moradores do asilo, que tinham uma certeza mórbida de que a casa, mesmo que em estado deplorável, não ia ceder à tempestade – nem aos bombeiros, que queriam evacuar o local.
Assim, em se tratando de um terror psicológico, não é difícil traçar um paralelo entre o cenário claustrofóbico daquele asilo, que funciona como um útero bizarro, e a mente de Ana, que sempre retornava à noite do incêndio de sua infância, que sufocou o resto de sua vida. Lia (Maria Volpe), a menina desamparada que ela encontra na casa, pode facilmente representar ela mesma. Sua ânsia de salvá-la é um grito de socorro da garota órfã que ela foi, e a percepção de um instinto materno totalmente diferente do que ela conheceu.
De forma brilhante e terrífica, Ponce dá à luz uma obra que representa um parto, com toda a dor do processo, mas com uma história de vida marcada POR traumas, fantasmas e, claro, um pouco de sangue. Tudo isso em uma noite escura em que a tempestade ruge do lado de fora de uma casa em que é difícil até mesmo ver aquela luz no fim do túnel.
Mas nem tudo é muito claro e o roteiro de Abraço de Mãe falha em alguns aspectos, principalmente no que se refere ao destino dos colegas bombeiros de Ana. No entanto, a presença de Estiano, que é o corpo e a alma do filme, é tão arrasadora que esse detalhe fica em segundo plano, mesmo que não passe despercebido até para o olhar menos atento.
Por isso, se você é fã de terror e curte ainda mais o gênero quando estamos no pleno espírito do Halloween, corte o cordão umbilical e dê o play em Abraço de Mãe.
* O filme estará disponível na plataforma da Netflix no dia 23 de outubro.
Respostas de 4
Acabei de assistir ao filme. Gostei muito!
E realmente, em relação ao destino dos colegas e tbem da representatividade do colega que a puxa mais ou menos no final fica meio difícil de interpretar.
Achei sua análise e crítica a melhor que encontrei na internet.
Um abraço !
Acabei de assistir na Netflix.amei.fiquei presa do início ao fim .amo a Marjorie
Bem legal, né, Regina? Eu também curti muito!
Que coisa! Cinema nacional bom! Mas não gosto de terror