Crítica de filme

Carcaça

Publicado 7 dias atrás
Nota do(a) autor(a): 3

Um casal: Lívia (Carol Bresolin) e Davi (Paulo Miklos) vivem isolados devido a uma pandemia. Aos poucos, a paranoia e o medo tomam conta daquele ambiente, transformando a relação entre a jovem moça e o homem mais velho em um suspense hitchcockiano. Ao longo do tempo, tudo se torna assustador, sombrio e profundo. Essa é a premissa do tenso Carcaça, filme que estreia nas plataformas de aluguel de filmes no dia 03/02.

A proposta do novo longa de André Borelli (do interessante Coisa Pública, lançado em 2022) é cativante, e, sobretudo no aspecto do suspense, funciona muito bem. Mesmo em sua relativa curta duração, com apenas 70 minutos, o filme consegue manter um ritmo ágil e envolvente. Apesar de passar uma sensação de desenvolvimento completo, está longe de ser uma experiência chata, deixando até uma impressão de que poderia durar um pouco mais, sem atrapalhar sua história. Pros tempos de hoje, acostumados a muito movimento em pouquíssimo tempo, é um bom entretenimento.

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O contraste visual e narrativo entre os dois protagonistas é muito bem dosado ao longo de Carcaça. Por exemplo, no início, vemos a jovem Lívia, sentada à mesa de jantar com roupa de academia. De repente, Davi, mais velho, meio barrigudo e despojado, chega com roupas velhas. A mesa se torna uma fronteira simbólica que destaca as diferenças entre os dois. Essa fronteira se torna cada vez mais visível à medida que surgem indícios de que Davi esconde algo em sua personalidade distante e seu computador. Davi também parece ter muitas inseguranças quanto sua esposa, uma vez que restringe, ainda que de forma muito subliminar a rotina da moça.

Carcaça, ao criar uma atmosfera de suspense, é um excelente filme, muito próximo ao que os mestres do gênero faziam no século passado. O fato de ser em preto e branco ajuda a reforçar essa sensação. À medida que percebemos o crescente temor de Lívia com a possibilidade de estar dividindo a vida com um homem que pode estar escondendo um segredo terrível, o filme se torna cada vez mais tenso. Um destaque positivo é a atuação de Paulo Miklos (ironicamente, mais um ex-integrante do Titãs, logo após Aos Pedaços), que consegue tornar seu personagem cada vez mais assustador e repulsivo à medida que a trama avança.

No entanto, as qualidades de suspense de Carcaça têm um limite. O filme apresenta um sério problema com o tom que deseja adotar. Na primeira metade, por exemplo, gostaríamos que ele se levasse mais a sério, principalmente quando, entre as várias cenas que utilizam foreshadowing, surgem momentos e diálogos que lembram Decamerão, exagerados e leves demais para o momento. Em determinado momento, o filme cria uma situação sexual do absoluto nada, justo quando em um crescente de tensão, parecia haver um esgarçamento da relação aparente harmônica do casal.

Quando o filme se aproxima do final, a expectativa é de um excelente thriller, explorando a loucura crescente dos protagonistas no contexto de isolamento. No entanto, o filme acaba exagerando na intensidade, se levando muito a sério, e tenta transmitir uma mensagem importante, mas que muda drasticamente o tom da obra. O que antes parecia um Dormindo com o Inimigo em tempos de pandemia se transforma em um drama psicológico profundo, centrado em uma esposa abusada. Embora o tema seja relevante, a mudança abrupta de direção acaba destoando do que foi apresentado até então.

Para quem aprecia filmes sombrios, Carcaça é uma excelente opção, especialmente no seu final, que se torna cada vez mais perturbador, rápido e implacável. Contudo, a mudança repentina no desfecho prejudica a compreensão da trama. Durante o filme, aguardamos para descobrir o que é real nos crescentes temores de Lívia. No final, restam mais dúvidas: foi tudo uma metáfora? Um delírio de uma mulher que sofre de agorafobia (medo de sair em público), abusada por seu marido insensível? Se ela sofre desse mal, a pandemia realmente existiu? Davi esteve realmente em casa o tempo todo? Oculta algum segredo em seu computador ou planejava matá-la? Ele só fica bebendo vinho e masturbando-se o dia todo? Jamais saberemos.

Apesar dessas questões, Carcaça é um projeto muito interessante. A química entre Miklos e Bresolin é excelente, e, mesmo com apenas dois personagens confinados no filme, a narrativa não se torna cansativa, o que contribui para o entretenimento do público. A fotografia e o som são bem alinhados com as emoções dos personagens, seguindo a cartilha clássica do suspense hollywoodiano. Inclusive, apesar de passar em alguns momentos a impressão de que estamos assistindo novela, a escolha da trilha e sua mixagem funcionam surpreendente bem, ao mexer com nossas emoções.

Enfim, apesar de repentino e sombrio, ainda é muito interessante o que Carcaça consegue em seu final. Para um filme tão curto, possuir uma gama tão vasta de sensações é notável. Em cada tomada é possível ver o empenho com o visual de confinamento e mistério. Uma pena, que nem sempre esse ambiente é valorizado. Em termos de gênero, o suspense, que está profundamente ligado a emoções primitivas como nojo e medo, funciona melhor com a simplicidade. E, enquanto segue essa linha, Carcaça é um lançamento que pode tornar o pós-carnaval muito mais emocionante.

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Carcaça pôster

Carcaça

Carcaça
16
País: Brasil
Direção: André Borelli
Roteiro: André Borelli
Elenco: Paulo Miklos, Carol Bresolin
Idioma: Português

Uma resposta

  1. Péssimo o final. Não entendi qual o passado sombrio do parceiro.. Miklos e melhor em banda

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