Crítica de filme

Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa

Poucas adaptações capturam tão bem a essência do material original como Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa. E não só isso, o filme também consegue emocionar com aquilo que traz de novo. O maior destaque fica por conta de Isaac Amendoim, que incorpora o personagem de Maurício de Sousa de forma magistral.

Ok, nesse primeiro parágrafo, leitor(a) apressado(a), já estão revelados os trunfos do filme, mas permita-me discorrer mais especificamente sobre seus méritos. Sobre o material original, não é necessário recorrer a uma memória muito distante. Ora – ou melhor, “Ara, sô” – é Chico Bento! O personagem mais simpático da Turma da Mônica. Ele de tão marcante, passou de personagem secundário a protagonista de sua própria revista, que, em agosto, completará 43 anos de existência.

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Para quem vive embaixo de uma rocha, aqui vai um breve resumo daquilo que sempre acontece na vida de Chico: ele é um garoto que mora no interior (sendo bem genérico, esse “interior” corresponde a uma vasta faixa geográfica que vai do Norte do Paraná, interior de São Paulo, Sul de Minas, Zona da Mata Mineira, região serrana do RJ, estado de Goiás e parte do Mato Grosso do Sul).

O garoto vive com seus pais em um sítio e convive com personagens como seus animais de estimação, principalmente Giserda (a galinha) e Policarpo (o burro), além de seus amigos, com destaque para o seu melhor amigo: Zé Lelé. Tem também sua namoradinha, Rosinha, e o seu nêmesis: Nho Lau, que sempre ameaça o garoto com sua temida espingarda de sal, quando Chico rouba suas goiabas diretamente do pé.

A trama de Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa é movida pela ameaça do Dotô Agripino (Augusto Madeira), que pretende construir uma estrada asfaltada que atravessaria toda a vila onde mora, o que acabaria derrubando a goiabeira favorita de Chico Bento (Isaac Amendoim). Ele então tenta convencer seus amigos e os adultos a preservar a goiabeira, em uma interessante contraposição entre progresso e preservação ambiental.

Tramas centradas em questões ambientais costumam cair no moralismo, mas o filme consegue transformar esse assunto sensível em um verdadeiro manifesto pela preservação da terra (com “t” minúsculo mesmo). É um assunto vivo nas zonas rurais, uma vez que é ela quem sustenta muitas famílias no interior do Brasil. A goiabeira é portanto, também uma metáfora! Há um equilíbrio entre a seriedade do tópico e a sensibilidade da adaptação. Assim, essa questão é uma discussão válida para audiências de todas as idades.

Assim como em Laços (2019) e Lições (2021), os dois principais filmes live action da Turma da Mônica, o material dos quadrinhos de Chico Bento oferece o suficiente para se trabalhar em uma adaptação cinematográfica. No entanto, alguns pontos da história poderiam ser um desafio. Sendo uma obra criada na década de 1960, há questões que poderiam não funcionar bem no cinema, especialmente no cinema infantil.

Por exemplo, é muito comum que os personagens dos quadrinhos apareçam nadando pelados no rio. Desenhado? Inocente. Filmado? Polêmico, ao nível do tão mal falado (e já esquecido) Cuties da Netflix. Outro desafio é a linguagem: será possível atualizar o dialeto caipira sem que soe preconceituoso? Como abordar a figura de um latifundiário que ameaça crianças com uma arma de fogo? Desafiante, sem dúvida. Não sei se é possível fazer “foreshadowing” (expressão da moda na panelinha cinéfila, que significa uma sugestão de eventos futuros) na escrita de crítica cinematográfica, mas no início do parágrafo, estava a solução: a inocência.

Por exemplo, ao invés dos namoricos típicos da roça, a Rosinha (Anna Julia Dias) de Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa não começa envolvida romanticamente com o protagonista. Na verdade, o menino nutre uma paixão platônica e usa seus amigos (e a goiaba) como cupidos. Isso, além de ser palatável para o público infantil, movimenta a trama e nos faz querer acompanhá-la.

A inocência também é um elemento vital na relação com Nho Lau (Luís Lobianco). Obviamente, um produto infantil de cinema precisaria reduzir a agressividade do dono das goiabeiras. Isso é feito de forma tão leve que temos o personagem de Lobianco como uma personificação do fazendeiro, mas sem violência explícita. Apesar disso é nítido o quanto ele odeia os furtos de goiabas praticados por Chico e sua turma.

Por outro lado, Chico não trata Nho Lau como um adulto raivoso e assustador. Pelo contrário, o filme acerta ao criar uma relação interessante, no estilo de Denis, o Pimentinha e o Senhor Wilson. Aqui, apesar das ameaças do adulto, a criança sempre o vê como igual, que participa de suas brincadeiras, ainda que, nós expectadores, saibamos que isso não é o caso.

A linguagem, que poderia ser um grande problema, é, na verdade, um dos pontos altos da trama. Isso porque, neste caso, a linguagem também é o elemento visual, que se torna marcante na ambientação bucólica da Vila Abobrinha. O elenco, no geral, embora force um sotaque caipira típico de novelas, nos transporta para o pacífico lugar da animada roça de Chico Bento. Falando em sotaque, o do protagonista é o mais importante. A escolha, ainda bem, foi certeira desde o início.

Aqui, há um dos típicos sotaque do sul de Minas Gerais, carregado e charmoso, como visto no trailer. Algo previsível, uma vez que, o ator e influenciador Isaac Amendoim, escolhido para o papel, é natural da pequena cidade de Cana Verde. O trabalho de Isaac Amendoim é tão bom que ele corre o risco de se tornar, como Daniel Radcliffe foi para Harry Potter, o nosso eterno Chico Bento. E vale lembrar que o personagem, nas animações da Turma da Mônica, já era memorável. Essa marca no coletivo se dá graças à dublagem genial de Dirceu de Oliveira.

Temos então um excelente trabalho do protagonista. Além disso, também da direção de Fernando Fraiha. Também temos um ótimo trabalho do roteiro, que é uma colaboração entre o diretor, Raul Chequer (o Maurílio do Choque de Cultura e radialista no filme) e Elena Altheman. O elenco está muito bem entrosado. Desde as participações especiais de Taís Araújo e Débora Falabella até as crianças. Outro destaque é merecido para o sidekick de Chico Bento, Zé Lelé (Pedro Dantas), que consegue arrancar risadas semelhantes às que seu paralelo nos quadrinhos proporciona.

Por isso tudo, entre os lançamentos do nosso MCU (Maurício Cinematic Universe), Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa é o mais coeso, engraçado, emocionante e bonito. Mesmo sendo teoricamente um spin-off das aventuras da turminha, não pode ser colocado em segundo plano. É uma excelente pedida tanto para quem ama o personagem, quanto para quem ainda não o conhece e para quem gostaria de reencontrá-lo.

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chico bento poster

Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa

Chico Bento e a Goiabeira Maraviosa
L
País: Brasil
Direção: Fernando Fraiha
Roteiro: Fernando Fraiha, Raul Chequer, Elena Altheman
Elenco: Isaac Amendoim, Luis Lobianco, Guga Coelho, Taís Araújo,
Idioma: Português

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