Havia uma certa hesitação, provavelmente não só da minha parte, ao saber que uma sequência de Coringa, um dos maiores sucessos de crítica e bilheteria da última década e também um dos melhores filmes baseado em um personagem dos quadrinhos, estava sendo planejada. A dúvida era: seria mesmo necessário continuar a história de Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) depois de uma narrativa tão bem contada e concisa?
Com o retorno de Phoenix, o diretor Todd Philips e a adição mais que estelar da talentosíssima Lady Gaga ao elenco, é de se criar uma certa expectativa para Coringa: Delírio a Dois, mas mesmo com todos esses ingredientes, o resultado final não parece responder à grande questão.
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Arthur Fleck, agora conhecido como Coringa, passou os últimos 2 anos na prisão estadual Arkham esperando o julgamento pelos crimes que cometeu ao assassinar cinco pessoas, incluindo o apresentador de TV Murray Franklin. Lá, ele conhece Lee (Lady Gaga), por quem se apaixona selvagemente, e, juntos, criam um vínculo cheio de loucura e delírios.
Como levantado no início do texto, será que era mesmo necessário uma sequência? E ao final da sessão, a questão permaneceu. A impressão que Delírio a Dois me causou é que a narrativa serve mais para se contrapor ao que foi o longa anterior, em uma espécie de “justaposição” que dificilmente agradará aos fãs do longa de 2019, o que chega a ser curioso, pois o principal núcleo do filme é a hipotética dualidade entre a persona Arthur Fleck e seu talvez alter ego Coringa.
Esse ideal é constantemente levantado durante o longa, às vezes até de forma desnecessariamente expositiva, mas usado como uma metalinguagem para descrever a relação entre o primeiro filme e Delírio a Dois, já que ambos são partes contínuas e, ao mesmo tempo que são iguais, também se diferem.
E dentro dessa visão que a sequência é diferente do primeiro filme, temos o fator musical. Sim, Delírio a Dois é, em boa parte, um musical, mas não dos mais convencionais. Aprecio a coragem do Todd Phillips em contar essa história usando performances muito bem cantadas e coreografadas em vários momentos, mesmo não deixando de ter o mesmo (senão até mais pesado) clima soturno, pessimista e violento do primeiro Coringa.
Claro, Joaquin Phoenix mantém o mesmo nível de atuação do primeiro filme, que inclusive lhe rendeu um Oscar, e muito provavelmente será contemplado com mais uma indicação ano que vem. O ator segue conseguindo criar nuances e camadas em Arthur, o que faz com que o espectador sinta pena, raiva e tristeza pelo personagem.
Já Gaga, bom, ela está ótima, como sempre esteve nos outros papeis que interpretou em sua empreitada cinematográfica. Mas a questão aqui é que Lee (abreviação de Harley Quinn, a Arlequina) parece subutilizada na trama. Sim, ela tem um propósito a cumprir na história, que não é apenas de ter um vozeirão, mas ficou muito aquém do que poderia fazer em cena ao lado do Coringa, que são os pontos altos da personagem. Acaba que Lee é mais uma personagem coadjuvante de luxo na narrativa do que uma das figuras centrais, o que é uma pena, já que o próprio título Delírio a Dois passa uma impressão diferente do que esperar dela no filme.
Com isso, Coringa: Delírio a Dois certamente será um dos filmes mais divisivos de 2024, mas não por isso o menos memorável. Entre erros e acertos, talvez a verdadeira intenção da sequência seja criar uma reflexão sobre o que fez do original um grande sucesso e subverter estes conceitos, levando-o ao tribunal e deixando que o público julgue por ele mesmo, igual fez com Fleck. Parafraseado o título de uma das canções escolhidas para o filme: “That’s life.”