Como mencionado na minha crítica de 7 Prisioneiros, Ataque dos Cães (The Power of The Dog) é a principal aposta da Netflix para o Oscar dessa temporada. Desde sua emergência à cultura de massa, à conquista de respeito pela academia – diz-se a partir do Oscar 2019, com Roma, de Alfonso Cuarón – o streaming foi capaz de subverter os preconceitos iniciais, e cada vez mais se afirma como um dos grandes nomes da indústria contemporânea.
Hoje um filme acolhido pela Netflix como principal longa da temporada de premiações já chama a atenção por si só, e esse é o caso de Ataque dos Cães. Além disso, a obra foi especialmente aclamada pelo circuito de cinema de Nova York, tendo vencido três prêmios no New York Film Critics Circle Award, além da vitória de Jane Campion como melhor diretora no Festival de Cinema de Veneza (Leão de Prata de Melhor Diretor).
É impossível dizer, portanto, que se trata de um longa de pouca magnitude ou ambição, já que alguns especialistas o apontam como um indicado quase decretado ao prêmio de Melhor Filme do Oscar – mas afinal… isso quer dizer que o filme é (necessariamente) bom?
Assisti para essa crítica, além do filme da Netflix, outra peça da filmografia de Campion, o aclamado The Piano (1993) vencedor da Palma de Ouro do festival de Cinema de Cannes, quiçá o principal prêmio do cinema internacional. A película dos anos 90 é especialmente bem decupada, usando das convenções narrativas e estilísticas a seu favor, para a partir disso transmitir o sentimento esperado para o público.
Espera-se então, que quase 30 anos depois, Campion tenha evoluído em seu ofício – e acho que isso é parcialmente verdade. Como mencionei no meu rápido comentário do Letterboxd, The Piano é composto por personagens pouco interessantes e não me engajei fortemente em momento algum; parecia que eles estavam ali como meras marionetes para a diretora mostrar seu talento.
Já aqui, felizmente acho que este não é mais o caso. Existe uma dinâmica parecida de relações interpessoais: lá a mãe e a filha sendo afetados pelo novo marido, aqui os irmãos sendo afetados pela nova esposa – mas o intrigante é que nesse filme o jogo de antagonismos é trocado em relação ao supracitado, além de adicionarmos uma profundidade maior no desenvolvimento dessas relações.
Campion tem um senso estético muito qualificado, e consegue criar imagens miríficas… mas sempre tenho a sensação que ela fica por um triz de contar sua história com composições estonteantes (e só). O perigo do realizador fazer a beleza pela beleza, sem ter nada a expressar com isso, é real. Não acuso a diretora disso, apenas aponto que essa possibilidade existe.
Apesar disso, algo que me chamou a atenção em ambos os longas é como a realizadora usa de artifícios da especificidade cinematográfica como dispositivo dramático e expressivo. Um exemplo bem claro é a forma como ela utiliza da profundidade de campo, da mudança de foco da câmera, como um mecanismo de transição de atenção para o público – algo tão simples, mas tão pouco utilizado.
A convenção de cortar de um plano detalhe da pessoa X para outro plano detalhe da pessoa Y é tão instaurada no imaginário que se perdem outras formas de mostrar ação e reação; a criatividade parece ser delimitada por um conjunto específico de regras e protocolos, e quando algum artista é capaz de, apesar de reconhecer e utilizar desses dispositivos de criação de sentido convencionais, ser apto à “sair da caixinha” de vez em quando, é algo a ser celebrado e mencionado.
Repare que não citei em momento algum a sinopse do filme, como é de práxis aqui n’O Cinema é, e não se engane, isso foi proposital. Ataque dos Cães já está disponível na Netflix, e acho importante que você vá assistir ao filme sabendo o mínimo possível sobre a história. Apenas mergulhe na narrativa baseada no livro de Thomas Savage, que tem a melhor performance da carreira de Benedict Cumberbatch (que chega fortíssimo pro Oscar), além de Kirsten Dunst, Jesse Plemons e Kodi Smit-McPhee como protagonistas.