O chamado ‘The Troubles’, acontecido no final dos anos 1960 na Irlanda do Norte, foi um episódio terrível, como o próprio nome já indica. E é esse momento triste da história do país que Kenneth Branagh resolveu retratar em seu Belfast, filme indicado ao Oscar 2022 em várias categorias, incluindo Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Original.
Sendo natural de Belfast e tendo vivido, em sua infância, o período em questão, Branagh construiu um pequeno microcosmo em sua obra, um lugar preto em branco no meio de todo um mundo colorido que o envolve. Em seu núcleo está uma família de classe trabalhadora que vive com dificuldade, mas é feliz.
A paz desse lugar é perturbada pela guerra civil entre católicos e protestantes, aqueles a favor da independência em relação à Grã-Bretanha e da integração com a República da Irlanda, ao sul, e estes a favor da preservação dos laços com os ingleses.
Sendo assim, é incrível assistir à forma delicada como Branagh conseguiu retratar esse período violento através dos olhos de uma criança – Buddy, interpretado por Jude Hill, em sua primeira e memorável atuação -, ao mesmo tempo em que estabelece o paradoxo vivido por muitas pessoas à época. Este seria o paradoxo da segurança, a segurança oferecida pelo único lugar no mundo que você realmente conhece, seu microcosmo preto e branco, e a segurança oferecida por um lugar ao qual você não pertence, mas é mais colorido por não estar assolado pela guerra.
Branagh é genial em sua estória. Longe de ser somente mais um filme de fotografia deslumbrante e uma trilha sonora maravilhosa, Belfast, sem nenhuma pretensão, é sobre a família, a tolerância e a falta dela, a luta pela sobrevivência e finalmente, sobre como juntos somos mais fortes.
Essa é a história de uma família que vê o mundo através de seu microcosmo, que permeia cada momento de sua vida. Ele se revela quando Buddy e os seus veem televisão em casa e ela é pequena e preta e branca. Mas quando eles saem e entram no cinema, o mundo se abre numa perspectiva bem maior e passa a ser colorido, encantando-os e hipnotizando-os.
É difícil deixar a segurança do lar e abraçar o desconhecido, mesmo quando essa segurança é abalada e obriga a esse abraço. Por ser maior, o macrocosmo assusta, mesmo que esteja permeado de possibilidades e cores, o que não quer dizer que seja fácil.
E essa é a mágica do filme. Muito mais do que mais um trabalho na carreira de Branagh, é quase que um retrato de sua vida, a vida de um homem que saiu de seu microcosmo, mas que nunca o esqueceu, porque afinal, nossas origens são o que nos define e, por mais que você esteja longe, é sempre lá que você vai encontrar conforto e aquela tão buscada segurança. Cada um tem a sua Belfast. Qual é a sua?