Crítica de filme

Crítica | ‘O Diabo de Cada Dia’ e a reação em cadeia da violência

A frase “violência gera violência” é uma das verdades mais conhecidas pelo ser humano, no entanto, é bem difícil evitar seus atos. O Diabo de Cada Dia é um filme que imerge na selvageria das pessoas, mostrando que nenhuma ação fica livre de consequências.

Lainara Araújo

19/09/2020 •

09:04 •

A frase “violência gera violência” é uma das verdades mais conhecidas pelo ser humano, no entanto, é bem difícil evitar seus atos. O Diabo de Cada Dia é um filme que imerge na selvageria das pessoas, mostrando que nenhuma ação fica livre de consequências. Então, assim que o espectador começa a entender quais as principais mensagens do filme é que a trama começa a engatar. Mas se você pensa que o foco principal é sobre a religião e os meios corruptos que ela utiliza para se aproveitar das pessoas, veja com mais atenção.

Obviamente a crítica à igreja está lá e qualquer pessoa que teve experiência com religiões cristãs vai se identificar muito bem com tais situações. Contudo, é interessante perceber que, apesar da afronta que os roteiristas fazem com relação à religiosidade surtada, ao mesmo tempo todas aquelas histórias parecem estar sendo conduzidas por alguém. Seja qual for a sua crença, o universo é regido por uma força superior que não cria situações ao acaso, entrelaçando a vida de seus “atores”.

Em O Diabo de Cada Dia, esse ciclo tem início em Willard Russel (Bill Skarsgård), um veterano de guerra que retorna para sua cidade em West Virginia atormentado pelos horrores que vivenciou. Apesar dessa situação ter abalado sua fé, tudo muda quando ele conhece sua esposa Charlotte (Haley Bennett).

Paralelamente, acompanhamos a história de Sandy (Riley Keough), que encontra em Carl (Jason Clark) o amor de sua vida no mesmo dia que sua colega de trabalho, Charlotte. Até aí, você não espera que esses personagens irão desencadear situações tão extremas a ponto de afetar pessoas que eles nunca pensaram que entrariam na mesma espiral, todavia essa é a magia que torna esse filme uma das obras mais brilhantes de 2020. Independente de não termos tantas opções no circuito cinematográfico esse ano, O Diabo de Cada Dia é um exemplo de como existem histórias fantásticas, simples e prontas para serem adaptadas.

Em minha crítica sobre Viagem das Garotas (lei aqui), mencionei filmes que são feitos para gerar reflexão e aqueles farofas que são feitos apenas para entreter. Ambos têm sua importância para o universo do Cinema, pois cada espectador tem necessidades e gostos específicos que funcionam de acordo com o momento.

Assim, O Diabo de Cada Dia é o tipo de obra reflexiva que vai agradar até mesmo os fãs de gostos mais simplistas, já que sua mensagem é muito impactante. Como foi dito acima, o filme vai além de criticar a religião cega – sua beleza está na forma em que a violência é retratada e na ambientação histórica. Somos transportados para um tempo onde as regras dificilmente são cumpridas e o que impera é a maldade humana bem nas profundezas da região sulista dos Estados Unidos.

Dessa forma, é fascinante o contraponto que os personagens seguem durante suas trajetórias. Realmente te faz raciocinar sobre que o ser humano tem a capacidade de se passar por um santo, enquanto não sente remorso em cometer os pecados dos quais critica. É o retrato claro da hipocrisia, o que torna essa história completamente atemporal. Pastores, padres, e líderes religiosos nunca vão deixar de usar a imagem de Deus para servir a seus propósitos egoístas, assim como pessoas que não servem exatamente a um dogma, podem fazer a coisa certa, apesar de seus conflitos morais.

Esse texto não tem como avançar mais na história sem arruinar a experiência do espectador e, acredite, você vai querer entrar no filme completamente alheio às suas conexões e reviravoltas. Contudo, o que deve ser destacado — e a essa altura já é bem óbvio — é o quão bom o elenco de O Diabo de Cada Dia é. Não há sequer um figurante que seja incapaz de acompanhar o ritmo de atuação de seus colegas.

Apesar de serem atores que estamos habituados em ver em filmes blockbusters, cada um mostra sua capacidade no núcleo em que está inserido. Tom Holland está de cair o queixo, entregando uma performance atormentada e serena ao mesmo tempo. Não há nada de Homem Aranha nele, apesar do caráter de seu intérprete Arlo. Ele mostra que faz o que for preciso para proteger as pessoas com quem se importa, mas envolto naquele eterno clima de tensão, e tudo isso é reflexo do personagem de Bill Skarsgård, que a cada projeto mostra sua capacidade com maior brilhantismo.

Ademais, dentre os coadjuvantes, é impossível não exaltar Robert Pattinson. Desde a primeira cena em que aparece, ele revela toda a repugnância que seu personagem propõe. Nem é válido classificar o que acabo de dizer com um spoiler, pois no trailer já dá para identificar que o pastor não é aquele cara que dá pra confiar. Basicamente o menino Robert consegue reproduzir o sotaque que quiser, pois, ele nunca pertenceu tanto a um cenário.

Sebastian Stan também está longe de ser um arquétipo sexy, galã de Hollywood. O policial que ele encarna é tão cheio de profundidade quanto os outros.

Por fim deve ser citado o elemento narrativo. É um tanto quanto arriscado utilizar narração em filmes atuais, pois o perigo de cair no clichê e constatar o óbvio que estamos vendo em tela é bem alto! Porém, nesse caso, a narração teve o propósito de homenagear o autor do livro em que o projeto foi inspirado, já que a voz é dele.

Assim, inicialmente você se pergunta quem é aquela pessoa onipresente destrinchando com tantos detalhes a vida daquelas pessoas e se questiona sobre se é um personagem ou simplesmente o narrador. Essa curiosidade já é um acerto da produção, pois além de intrigar, colabora para que possamos acompanhar a história sem ficarmos perdidos.

Apesar disso, existem alguns momentos em que o narrador poderia ter ficado em silêncio, já que o que esse projeto definitivamente não precisa é de foreshadowings (indicações de eventos futuros na trama), e eles ocorreram em alguns momentos, sabotando um pouco o clima de mistério no qual somos envolvidos.

Fora isso, o filme é um espetáculo intelectual e ouso dizer que deve levar uma indicação ou outra nas grandes premiações. Vamos cruzar os dedos para que O Diabo de Cada Dia continue a causar impacto e ganhando visibilidade, pois Deus sabe o quanto nossa sociedade precisa desse tipo de alerta.

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Nota do(a) autor(a)

5/5

2h 18min min

País: EUA

Elenco: Tom Holland, Robert Pattinson, Bill Skarsgård, Riley Keough, Sebastian Stan, Jason Clarke

Idioma: Inglês

Nota do(a) autor(a)

5/5

2h 18min min

País: EUA

Elenco: Tom Holland, Robert Pattinson, Bill Skarsgård, Riley Keough, Sebastian Stan, Jason Clarke

Idioma: Inglês