Crítica de filme

Crítica | Oppenheimer

Publicado 2 anos atrás
Nota do(a) autor(a): 2.5

Tenet é o melhor filme de Christopher Nolan. Nele, o diretor abraça a mecanicidade da sua visão de cinema como o dispositivo que motiva tudo, sem ressalvas. Não sem seus truques, claro, mas de forma muito mais frontal do que costuma fazer. Se em Interstelar ele abdica do lado científico para cair na breguice do “amor atravessa as dimensões” da forma mais fria possível, no seu lançamento de 2020, a mãe que infelizmente precisa se afastar de sua cria para o bem da criança ainda está lá e é impassível, porém, diminuta em tempo de tela, já que o diretor está muito mais interessado nos meandros dos objetos que se movem para trás no tempo.

Leia nossa crítica de Tenet

Graças a este último filme, a expectativa para Oppenheimer era das maiores possíveis. A ideia de que a atual versão abstrata, vaga de Nolan encontraria uma figura real e difusa como o criador da bomba atômica, estabeleceu no imaginário infinitas possibilidades. É uma biopic? É sobre os lamentos de sua invenção? É sobre o processo de invenção? Sobre a figura social que Oppenheimer viria a se tornar?

O engraçado é que é sobre literalmente todas essas coisas. E esse é um dos grandes problemas da obra.

Qual o ponto?

Oppenheimer tem três horas de duração. Ao longo desse tempo, o filme parece funcionar em blocos. Seu início em Cambridge e a ascensão no mundo da física se intercalam a todo momento com os planos se sobrepondo de forma não-linear, remetendo à fragmentação de Dunkirk. Há uma espécie de Vingadores quando o protagonista se junta a Leslie Groves (Matt Damon) para formar um supergrupo de cientistas que precisam comer poeira e alcançar os nazistas, que eles acreditam estarem na frente nas tecnologias de guerra. E há a última hora, na qual ele se torna um A Rede Social na década de 50.

O problema da megalomania temática da obra nem está na disposição de todos esses elementos, mas na falta de ponto que eles apresentam. Fica claro que Nolan quer borrar as linhas políticas que envolvem a figura-título, mas a tentativa aparenta ser um grande “tirar o seu da reta” quando o assunto é política. Oppenheimer tem seu “apreço intelectual” pelo marxismo colocado no filme ao lado de sua passividade para impor condições ao não-lançamento da bomba. Ele participa da escolha da cidade a ser condenada pela explosão, para contradizer uma cena com o trauma criado pela noção de ter dizimado uma localidade inteira. 

A tentativa de criar uma atmosfera cinzenta quanto ao caráter do protagonista acaba nunca funcionando porque falta, como sempre, articulação dramática a Nolan. Oppenheimer não parece uma pessoa volátil, mas sim um boneco despropositado na mão do diretor.

Despropositado porque fica difícil ter um apreço por qualquer coisa que apareça em tela dado o interesse do diretor nunca nos processos dramáticos que transformam e inserem as personagens em lugares e cenários, mas sim nos mecanismos que os movimentam. A frase milimetricamente calculada para aparecer em dois trechos do filme (tire os lençóis da corda) nunca tem impacto cênico, mas sim anafórico, ou seja, por puramente já ter sido dito antes e dar aquele famoso estalo do “ahhh!” no público. O olhar praticamente misantrópico de Nolan transforma Oppenheimer numa experiência muito mecânica, principalmente nessa transição entre o bloco Filme de Guerra / Filme de Tribunal, que nunca funcionam por si só, como dispositivos, mas sua qualidade sempre advém de quem os articula. 

Tecnicamente falando

Se nem tudo são rosas no que tange o manejo dramático de Nolan, dado sua inaptidão nesta veia cinematográfica, no lado puramente técnico ele é um dos que mais possui recursos.

Se o filme é confuso e parece sem rumo temático, não é graças a sua nova editora, Jennifer Lame, que está com ele desde Tenet, e é um dos grandes acertos do filme. Ela consegue fazer uma obra tão grande e expansiva como essa não parecer inchada. Dificilmente existirão comentários sobre coisas “desnecessárias” no filme. Há coisas tenebrosas, mas a questão delas não envolve ritmo ou arestas a serem aparadas, como provavelmente a menos atraente cena de sexo da história do cinema, já que Jean Tatlock (Florence Pugh) para o ato no meio, pega um livro da prateleira e volta para o coito pedindo para Oppenheimer ler em sânscrito sua frase que ficou para posterioridade. Agora eu me tornei a morte, destruidora de mundos. Bizarro.

O aspecto técnico do filme é realmente impressionante. Um dos melhores desenhos de som dos últimos tempos, há uma cena que Oppenheimer é celebrado após a primeira bomba em Hiroshima e, subindo a um palco para discursar, não ouvimos o inflamado público gritando seu nome, mas o delicado som de seus corpos se mexendo, levantando-se de seus bancos, resvalando uns aos outros, como se fosse um ASMR. Nessa natureza, o filme é muito inventivo. Literalmente. Utilizaram uma Câmera analógica IMAX com filme especial 65mm preto e branco, primeira vez sendo utilizada por uma produção cinematográfica (a câmera foi utilizada para um clipe da Adele em 2015). Uma pena que a obra, graças as suas ambientações e majoritariamente durante seu trecho final, fique cada vez menos criativo nas suas criações visuais e pouco explore as possibilidades da belíssima tecnologia praticamente exclusiva da obra. 

Algumas cenas soltas, pensadas como pequenas unidades, como se fossem frases, conseguem extrair o melhor da produção. Algumas sequências de Oppenheimer andando a cavalo, vestido todo de preto, com seu característico chapéu, aludem à figura do Cavaleiro da Morte, do livro de Apocalipse. Um pensar pictórico interessante, porém, diminuto perto de toda a extensão da obra. 

Existe, ali no meio, uma bela piada que, dado o quão sisudo o filme se apresenta, o tom cômico parece potencializado. Quando Leslie Groves reclama da grande quantidade de bebês nascendo em Los Alamos (a cidade construída para receber o projeto do Manhattan), Oppenheimer diz que não pode controlar a taxa de natalidade e, imediatamente, sua mulher sai grávida de um estabelecimento na frente deles. 

Apesar de minimamente decepcionante, muito por Nolan focar no que requer uma mão que não é a sua, como o drama dos relacionamentos e a difícil relação com os filhos, quando o diretor cai no lado mais viajado imageticamente, de encarar elétrons, projetar, numa tela gigante, um enorme átomo, quando abstrai e abraça a loucura (como fez com Tenet), quando Oppenheimer alucina, vendo a supracitada platéia que grita seu nome derretendo, como se esses fossem o alvo de sua aterradora criação, o filme brilha. Mas esse cunho experimental pouco aparece. Se fosse um filme abstrato  sobre o sentimento de culpa que nasce do espírito engenhoso, distorcendo as noções do que é pequeno no mundo mas gigante perante a tela, talvez fosse um dos filmes mais curiosos e significativos das últimas décadas.

O filme, pelo menos, possui um senso de fisicalidade pouco explorado nos blockbusters dos últimos anos. O gosto de Nolan por efeitos práticos é conhecido, porém, hoje, eles se tornam uma espécie de farol no meio do mar de CGI feio e quadros pessimamente iluminados. Esse tipo de filme, super caro e autoral, nos dias de hoje, é exclusividade de meia dúzia de nomes em Hollywood. Porém, com uma boa recepção, talvez o grande legado de Oppenheimer seja que os estúdios estejam mais abertos a explorar a materialidade de suas produções e o cinema volte a ser um lugar de filmes bonitos. Mesmo que ruins, belos.

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País: EUA
Direção: Christopher Nolan
Roteiro: Christopher Nolan
Idioma: Inglês

Uma resposta

  1. Depois de mais de uma ano do seu lançamento, eu assisti ao ‘Oppenheimer’. Antes, vi muitos Review sobre, em alguns canais no YT q acompanho, sobre cinema. É, não me surpreendeu, não me emocionou também, achei um filme enfadonho. Aí procurei no navegador sobre ‘o filme Oppenheimer é megalomaníaco?’, cheguei à sua análise, e nela encontrei o que penso sobre esta obra de Christopher Nolan.

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