Alguns filmes são difíceis de assistir. Não por serem complexos demais, mas por refletirem uma dura realidade. Dias Sem Fim, produção original da Netflix, é um desses filmes.
Escrito e dirigido por Joe Robert Cole, co-roteirista de Pantera Negra, o longa conta a história de Jahkor Abraham Lincoln (Abraham Lincoln foi o presidente americano que decretou a emancipação dos escravos), jovem negro de um bairro pobre na cidade Oakland, Califórnia, que sonha entrar no mundo do rap. Entretanto, ao ser condenado pelo crime que abre o filme, Jahkor entra em uma jornada de auto-conhecimento enquanto lida com as consequências de seus atos. Nesse caminho, passado e presente se alternam, na tentativa de achar os motivos que levaram Jahkor a fazer o que fez.
Mesmo que por vezes essa alternância cause alguma confusão no espectador, Dias Sem Fim é hábil em criar um clima de desesperança na comunidade de Jahkor, onde a maioria sofre com a pobreza e aqueles que “se deram bem” na vida estão de alguma forma ligados ao mundo do crime. E é nessa linha tênue que Jahkor precisa andar, tanto em casa quanto nas ruas.
Mas a grande questão do longa se concentra na relação entre Jahkor e seu pai, JD. Em uma interpretação magistral, Jeffrey Wright é a personificação da derrota do ser humano. Ao se voltar para o tráfico para sustentar a família, acaba se tornando ele próprio viciado, levando Jahkor a viver desde criança com medo dos seus arroubos de violência.
Por mais que o jovem queira distância do pai e do caminho que ele tomou, Jahkor acaba por trilhar o mesmo caminho pela mais pura falta de oportunidade, uma vez que dificilmente uma pessoa negra da periferia consegue alcançar seus objetivos sem ser alvo de agressões e suspeitas (a cena na loja de sapatos onde Jahkor trabalha exemplifica bem isso).
O longa aposta no estudo de personagem, mostrando cenas do seu cotidiano e lentamente caminhando para seu clímax. Isso pode afastar alguns espectadores, mas é uma escolha justificável para que entremos na rotina do personagem e tenhamos uma boa ideia de como é sua vida. Contando com um bom elenco e atuações fortes, como a de Ashton Sanders no papel principal, Isaiah John como seu melhor amigo e Yahya Abdul-Mateen II (recém saído da excelente série Watchmen) como um dos chefões do tráfico local, Big Stunna, o longa alcança um realismo quase documental às suas cenas.
Embora os destinos de Jahkor e seu pai já estejam traçados, Dias Sem Fim ao menos termina em uma nota de esperança, onde os dois percebem que podem fazer algo dar frutos e quebrar esse ciclo vicioso de violência que assola sua família.