Longa de Mike Flanagan acaba se revelando uma grata surpresa
É sabido que Stephen King, autor do livro O Iluminado, nunca morreu de amores pela adaptação cinematográfica dirigida e roteirizada por Stanley Kubrick. O célebre diretor usou a obra de King apenas como base para sua versão, descartando muitos dos elementos fantásticos presentes no livro em favor de focar na jornada rumo a insanidade de
Jack Torrance. São justamente esses elementos negligenciados por Kubrick que tomam as rédeas da história
no filme que dá sequência aos acontecimentos de O Iluminado: Doutor Sono.
Dirigido por Mike Flanagan (O Espelho), dessa vez acompanhamos a trajetória de Danny Torrence (Ewan McGregor) – agora na vida adulta -, que está tentando recomeçar a vida em uma pequena cidade, usando seus dons em uma clínica para pacientes terminais e fugindo dos traumas que sofrera na infância e de um vício em álcool derivado desses. Mas o contato com a menina Abra (Kyliegh Curran), que possui os mesmos poderes que ele, vai levar Danny a confrontar seu passado e um grupo de seres que se alimentam da iluminação das pessoas.
Pode parecer estranho em um primeiro momento que este filme seja uma sequência direta de O Iluminado de Kubrick. Se o primeiro era um terror psicológico quase minimalista, este segundo possui trocas de tiros entre “vampiros espirituais” e telepatas poderosos. E não é que funciona? Mike Flanagan faz bom uso dos 151 minutos do longa, fazendo a apresentação desse mundo novo de forma gradativa e natural, sem se apoiar muito nos diálogos expositivos. Quando os embates extra-corporais acontecem, já estamos plenamente adaptados às novas
regras do jogo.
Outro ponto positivo na direção de Mike Flanagan é a reverência que faz ao longa que o precedeu, mas sem se tornar uma pálida cópia deste. Mesmo usando da linguagem cinematográfica de Kubrick usado no original (planos aéreos distantes, planos abertos etc.), ele não se furta de adicionar seus próprios “truques”. As cenas que envolvem a rotação dos espaços ocupados pelos personagens são deslumbrantes, por exemplo.
O elenco de Doutor Sono é encabeçado por Ewan McGregor, que nos dá uma performance introspectiva ilustrando bem as angústias internas de Danny Torrance; Rebecca Ferguson, evitando uma representação cartunesca da vilã, demostrando a calma de uma pessoa que viveu por séculos; e a revelação Kyliegh Curran, interpretando a menina Abra (uma óbvia alusão a magia presente no filme) com a segurança de uma veterana.
O que poderia ser considerado uma sequência barata de um dos clássicos do cinema acaba se mostrando uma grata surpresa, expandindo o universo dos livros e gerando sua própria “iluminação”.
