Crítica de filme

Crítica | A maternidade como pedra de toque em ‘Duas Rainhas’

Publicado 4 anos atrás

A história da Inglaterra sempre foi uma das minhas favoritas. Não há qualquer motivo específico para isso, mas a trajetória do país me encanta desde os seus primórdios. Sendo assim, não foi nenhuma surpresa que Duas Rainhas (Mary – Queen of Scots) tenha caído tanto no meu gosto, ainda mais quando aborda um dos episódios mais interessantes da memória britânica: o que se refere à relação tensa entre Mary Stuart (Saoirse Ronan), da Escócia e Elizabeth I (Margot Robbie), da Inglaterra.

Tal temática não é nova no Cinema e não é a primeira vez que o título Mary – Queen of Scots aparece em películas: em 1971 e em 2013, duas obras cinematográficas ganharam o mesmo nome. Gunpowder, Treason & Plot (2004), um excelente filme para TV que trata do mesmo assunto, também chamou muito a minha atenção na época em que assisti. E não nos esqueçamos da ótima série Reign (2013) que, tendo sido precocemente cancelada, apresentou final pífio.

Não obstante, Duas Rainhas se destaca pela sensibilidade com que foi tratada a relação entre essas duas monarcas que, antes de tudo, eram duas mulheres. E assim sendo, a diretora Josie Rourke escolheu um dos temas mais característicos e inerentes do gênero feminino para ser a pedra de toque de sua produção: a maternidade.

duas rainhas saoirse ronan

Destarte, é fato que Elizabeth tinha um problema sério no que tangia seus progenitores, já que Henrique XVIII, seu pai, mandou executar Ana Bolena, sua mãe, quando ela tinha apenas 3 anos de idade. Tal sucedido, somado aos vários divórcios e casamentos de Henrique (e mais decapitações), fizeram com que Elizabeth tomasse a decisão de nunca se casar. E assim ela o fez, tornando-se, por isso, conhecida como a Rainha Virgem.

Esse trauma não tinha Mary Stuart da Escócia, sua prima. Conhecida por sua beleza, Mary enviuvou cedo, aos 18 anos, retornando para Escócia para assumir seu trono depois de viver a vida na França. Elizabeth logo vê nela um problema… em vários sentidos. Em primeiro lugar, a rainha inglesa era protestante e Mary católica, o que poderia causar um conflito entre os dois países caso a influência escocesa inflasse os ânimos dos papistas da Inglaterra. Em segundo lugar, Mary era, por direito, a sucessora do trono inglês, uma vez que Elizabeth não tinha herdeiros. Finalmente, tudo se complica ainda mais quando chega a notícia da gravidez de Mary, o que consolidava a sucessão dos dois países sob a coroa de um só rei: Jaime VI & I.

duas rainhas margot robbie

Mas o filho da rainha escocesa é somente uma das facetas da maternidade em Duas Rainhas, fato que se reforça em vários momentos do filme. Tão complexas e diferentes quanto poderiam ser, Mary e Elizabeth tinham pelo menos uma coisa em comum: o amor por seu povo, ao qual ambas tratavam como se fosse seu próprio filho. Você morreria por essa gente que te odeia e não te respeita?, pergunta uma das damas de Mary. Sim, responde ela. Querem atitude mais materna do que essa?

Mas não é só isso, porém, que ilustra o que tento dizer. A mulher e seu corpo estão no topo da análise dessa película quando mostra a cena da menstruação de Mary; a inveja de Elizabeth pela fertilidade de sua rival; o estupro que gerou a gravidez da rainha escocesa; o convite de Mary a Elizabeth para que se tornassem ambas mães de Jaime (aquela como progenitora e essa como madrinha); e até a misoginia, aqui representada mais fortemente pela figura de John Knox (David Tennant), um religioso revolucionário muito influente que questiona não só a capacidade de uma mulher governar um país (ou qualquer outra coisa), como também se revolta pelo fato de sua rainha ser católica, sendo ele próprio protestante segundo a linha calvinista.

duas rainhas john knox

Ademais, não podemos deixar de lado a questão da própria beleza feminina e, aqui, chamo a atenção para o quesito cabelo e a maquiagem do filme, feitos por Jenny Shircore, que está simplesmente espetacular. Saoirse Ronan nunca esteve tão bonita e Margot Robbie, um dos maiores ícones de beleza atuais, deixa de lado sua belíssima aparência para interpretar a rainha calva cheia de marcas de varíola que era Elizabeth. Duas gigantes da atuação dando mais um show à parte.

Mesmo assim, não é só isso que torna Duas Rainhas um grande filme, pelo menos do ponto de vista feminista. Tudo o que foi dito se passa em um longa de fotografia encantadora, que mostra ao público lindas cenas da paisagem britânica e de cavalaria, sem contar o figurino cuidadoso que presta atenção aos detalhes das tomadas externas e internas: basta observar, por exemplo a lama e o barro no vestido de Mary quando ela anda pelas estradas.

duas rainhas cavalaria

Até que chegamos ao ponto alto de toda a história: o emocionante encontro entre as rainhas. As duas primas nunca tinham se visto até então, e o suspense e a tensão se mantêm até o início da conversa, que se dá em uma casa precária em que vários panos brancos estão pendurados no teto. Elizabeth não queria se mostrar, com vergonha de sua própria aparência perante a beleza da outra mulher. Ela não sabe, porém, que Mary também a inveja, por nunca ter cedido em sua decisão de nunca se casar e pela presteza com que governa um dos países mais poderosos do mundo.

Mas então você não teria tido seu filho, argumenta a rainha inglesa. E Jaime não era somente filho de Mary: era também o homem que iria juntar duas nações, dois povos beligerantes sob uma só coroa; que iria juntar as duas maternidades daquela mulher: ele próprio e o povo britânico.

Sendo assim, a versão de Josie Rourke mesmo que esse episódio da história da Inglaterra tenha sido bastante romantizado, nem por isso deixa de ser belo ou pertinente, ainda nos dias atuais. Uma pena que que muitos dos fatos verdadeiros sobre a real personalidade dessas duas mulheres se perderam no tempo. Mas o fato é que Mary e Elizabeth existiram e que foram personagens importantes na história da humanidade. Foram mulheres, foram, de certa forma, mães, foram Duas Rainhas.

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duas rainhas poster
País: Reino Unido | EUA
Idioma: Inglês

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