Emília Perez é um filme franco-mexicano dirigido por Jacques Audiard. É difícil encaixá-lo em um gênero. A crítica convencionou classificá-lo como uma comédia musical de suspense e ação. Sim! É exatamente essa loucura, e digo que talvez isso não seja suficiente para defini-lo. Mas acho que isso não é necessário para aproveitar seus bons momentos.
Tomando o cuidado de não entregar muito do intrigante roteiro, Emília Perez centra-se na figura da advogada Rita Moro Castro (Zoe Saldana), que, apesar de ser extremamente competente, acaba por se envolver sempre nos mais escabrosos casos, tendo que defender os tipos mais abjetos. Dado seu talento em proteger canalhas, é contratada por “Manitas” (Karla Sofía Gascon), o chefe de um poderoso cartel, que, dada a oportunidade de se afastar do crime, deseja terminar sua transição de gênero, tornando-se finalmente a mulher que sempre sonhou ser.
O Clube das Mulheres de Negócios é uma sátira social que questiona as dinâmicas de poder e desigualdade no Brasil, com um elenco de peso e uma crítica ácida às elites.
É. É essa doideira mesmo. Não, esse enredo não foi criado por inteligência artificial. Apesar de parecer tudo confuso, uma evidência de que, por algum motivo, isso funciona, é que qualquer coisa que eu desenvolver do enredo nesse texto, pode acabar por revelar momentos importantes.
Mas, apesar de funcionar, é preciso alguma paciência para deixar-se levar pelos absurdos engraçados e emocionantes do filme. Esses elementos nos coloca imersos apenas na segunda metade. Até lá, ajuda é o fato de ser visualmente agradável. Apesar de alguns problemas, a fotografia é um ponto muito positivo, que transforma Emília Pérez em um filme que vale olhar cada detalhe.
Bem, a pergunta que provavelmente te trouxe até este texto é: é melhor do que Ainda Estou Aqui? Definir em melhor ou pior talvez seja um pouco precipitado, já que os dois são muito recentes e distintos, mas vale a pena frisar a grandeza do duelo que se desenha na premiação de Melhor Filme Estrangeiro, caso os dois estejam entre os favoritos.
Por incrível que pareça, são quase complementares. Tendo escolhido o formato musical, Emília Pérez abre mão da sutileza, transformando em canção todos os dilemas das principais personagens, canções essas, diga-se de passagem, ilustradas com belíssimas tomadas e muito bem editadas. Sutileza é justamente o que torna Ainda Estou Aqui tão forte e emocionante. Em um certo momento, das duas obras, há uma mudança radical na vida de uma mulher, motivada por circunstâncias externas.
Em determinado momento, nos dois filmes, tanto no brasileiro quanto no francês, suas protagonistas se veem atônitas com seus destinos, olhando no espelho. A cena com Fernanda Torres é silenciosa, sublime. Apenas com o olhar (como sua mãe em Eles Não Usam Black Tie, de Leon Hirszman), transmite tudo que precisa ser compreendido naquele momento. Em Emília Perez, Zoe Saldana canta, da forma mais expositiva possível, os sentimentos, que, diga-se de passagem, já conseguimos observar nas cenas anteriores.
Quem leu minhas últimas críticas entende o quanto a sutileza é um elemento importante para minha imersão nos filmes a que assisto. Um dos motivos é a minha sensibilidade, que, modéstia à parte, me confere a habilidade de notar detalhes nas obras vistas.
Outro motivo de incômodo é o lógico. Ora, o Cinema é uma arte audiovisual. Apesar do nome, antes de ser áudio, ela é visual, uma vez que o cinema viveu ao menos três décadas sem necessitar do som para transmitir ao espectador as mais diversas emoções. Claro, atualmente, um não vive sem o outro, porém, sendo o Cinema inexistente sem a imagem, mas possível sem o som, sempre será a forma mais adequada do fazer dessa arte mostrar algo, ao invés de contar. Se quiséssemos ouvir detalhes, ao invés de vê-los, existem outras artes que fazem isso: a música e a literatura são ótimos exemplos.
A falta de sutileza também se demonstra muito viva na ambientação, que, apesar de bela, dá uma certa impressão de artificialidade. É uma história que se passa no México e, infelizmente, deixou a incômoda impressão que ainda resta a visão estereotipada daquele lugar. Nunca visitei a terra do Chapolin Colorado, portanto, não vou afirmar que esse é um México para francês ver. Porém, algo de estranho ronda um filme que, inclusive, tangencia muito bem questões caras à realidade local, como os desaparecidos (outra semelhança com Ainda Estou Aqui), devido, nesse caso, à violência dos cartéis.
Bem, se esses são deméritos para a Academia, não sei. É emocionante ver que, mais uma vez, são os filmes estrangeiros que oferecem os mais diversos tipos de fuga da mesmice hollywoodiana. Nos dois casos, ainda em formato comparativo, as atrizes estão perfeitas. Sabemos do talento de Fernanda Torres no Brasil, mas é notável a entrega das premiadas em Cannes: Zoe Saldana, Karla Sofía Gascón, Selena Gomez e Adriana Paz. As quatro formam um time muito competente ao transitar da beleza do musical para a graça da comédia e para a excitação do suspense.
Emília Perez vale a pena ser visto e admirado por seus méritos e, se quiser, todavia, pode também ser rebaixado por suas “falhas”, que, sim, podem nos oferecer muito alívio e, quem sabe, a nossa primeira estatueta dourada. O filme é uma experiência singular, certamente. Por sorte, não é isso que é avaliado no Oscar.
O que é mais levado em consideração é o lobby e a capacidade de se adaptar um filme estrangeiro ao gosto estadunidense. Apesar dos elementos que os nortistas da América amam, ainda falta um pouco para o filme de Audiard ser um concorrente à altura do filme de Walter Salles. Nessa briga que terminará no tapete vermelho, eu sou mais Brasil. Pra cima deles!