“Estou Me Guardando para Quando o Carnaval Chegar” é um retrato sensível sobre a produção desenfreada de jeans no agreste pernambucano | Crítica

Marcelo Gomes mostra o impacto da produção desenfreada de jeans na cidade de Toritama, em Pernambuco e também nos conta um pouco sobre a sua relação com a cidade

Em Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar Marcelo Gomes (diretor de Era Uma Vez Eu, Verônica e Joaquim) visita a cidade em que costumava ir com seu pai quando era criança. Toritama, localizada no agreste do Pernambuco. Atualmente, o município é conhecido por ser a capital do jeans e produz cerca de 20% do jeans nacional. Somos apresentados à Toritama por meio de planos que evidenciam o forte negócio da cidade. Inicia com um motoqueiro segurando uma penca de calças jeans, dirigindo por uma rodovia. Depois a câmera observa o processo de produção em uma das facções (pequenas fábricas dentro das casas), desde o corte das roupas até o carregamento de uma carreta.

Estou Me Guardando Para Quando O Carnaval Chegar Trabalhadores

Após uma abordagem mais observacional e com algumas narrações pontuais, Marcelo Gomes resolve interagir com os trabalhadores e entrevistá-los. Através dos relatos dos moradores percebemos que Toritama é basicamente uma máquina de produção de calças jeans e o diretor reforça isso em uma montagem rítmica de pessoas trabalhando. Alguns trabalham de 8 às 22 horas sem parar e o único descanso do dia é a hora do almoço, em que até dá para tirar um cochilo – momento em que conhecemos Leo, um dos personagens centrais do documentário. O som das máquinas de costura perdura na maior parte do filme e alguns entrevistados continuam trabalhando mesmo quando dão seus depoimentos.

Uma questão recorrente nas falas é que nesse emprego, eles podem escolher os horários de trabalho, porém não é o que acontece. São pessoas autônomas que executam as mesmas funções durante todo o dia, como Charles Chaplin em Tempos Modernos (1936), ou seja, além de não possuírem direitos trabalhistas, provavelmente, terão desconfortos físicos e/ou psicológicos. Essa comparação com o clássico de Chaplin é triste pelo seu caráter atual, mesmo 80 anos depois. Em uma cena, nas imagens vemos manequins prateados e no som, junto à trilha sonora original do grupo O Grivo, ouvimos a resposta dos trabalhadores à pergunta: “Qual é o teu sonho?”. A maioria das respostas dadas estão relacionadas, de alguma maneira, ao trabalho. É como se não existisse vida além do trabalho. E alguns até não sabem responder à questão.

Estou Me Guardando Para Quando O Carnaval Chegar Trabalhadores

A palavra Toritama, em Tupi-guarani quer dizer “terra da felicidade”. Todavia, o momento do ano em que a cidade realmente dá um tempo na produção de jeans é no carnaval; E os trabalhadores se desesperam para sair da cidade. Os moradores que não conseguiram juntar dinheiro para irem à praia, começam a vender seus pertences, como geladeiras e televisões, para conseguirem viajar. Leo, um dos entrevistados, não conseguiu vender a moto e a equipe de filmagem resolve fazer uma troca: pagar para ele ir à praia, mas, em retribuição, Leo teria que documentar a viagem. Esse ato de dar a câmera funciona muito bem, pois o registro revela como é o descanso anual dos moradores de Toritama. As imagens intercalam-se entre blocos de carnaval, os familiares curtindo uma praia e descansando. Nos registros de Leo, há um plano longo mostrando um dos familiares dele deitado em uma rede, o que é basicamente o desejo dos trabalhadores de Toritama: ter um tempo para pensar e refletir. Algo que a produção frenética de jeans não deixa.

Estou Me Guardando Para Quando O Carnaval Chegar Motociclista

Marcelo Gomes mantém uma relação de proximidade com Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar, principalmente em suas reflexões sobre as viagens à região que fazia com seu pai há 40 anos e, também, sobre o material filmado. Em uma cena, observamos uma mulher costurando uma parte da calça e o movimento se repete sem parar e, após um tempo, o som da máquina silencia. Marcelo Gomes, em off, mostra uma angústia com a cena e resolve colocar uma trilha sonora, o que, primeiramente, o deixa encantado pela dança das mãos. Porém a agonia retorna. O documentário é sobre o impacto da produção desenfreada de jeans em Toritama, entretanto o diretor escolhe colocar uma carga subjetiva, o que deixa o filme ainda melhor. Portanto, Estou Me Guardando para Quando o Carnaval Chegar é um ótimo documentário, com uma abordagem reflexiva de Marcelo Gomes, que interage com os sujeitos e com o material de seu filme, fazendo uma obra menos rígida e mais fluida.

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Nota do(a) autor(a)

/5
Estou Me Guardando Para Quando O Carnaval Chegar Poster

86 minutos min

País: Brasil

Idioma: Português

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