Depois de ser desmembrada, remembrada, segmentada e soldada, em Halloween: O Início a franquia Halloween finalmente reencontra um olhar autoral no trabalho sui generis do músico, letrista, roteirista, produtor e diretor de cinema norte-americano Rob Zombie. Apesar da qualidade estar sempre em pauta – e é o que faremos aqui: discutir as escolhas – é indubitável que o realizador propõe um olhar particular aos personagens criados por Debra Hill e John Carpenter.
Michael Myers foge do manicômio onde foi internado depois de matar parte de sua família. Dezesseis anos depois, volta à sua cidade, ainda mais cruel e com mais vontade de matar. Seu alvo agora é um grupo de adolescentes.
Existe, pela primeira vez em nove filmes (já que essa é a nova entrada da saga nos cinemas) a tentativa concreta de criarmos algum laço de empatia com Michael Myers, já que testemunhamos parte de sua infância junto à sua família desestruturada, sofrendo bullying na escola…
Aqui desfrutamos novamente da primeira morte causada por Myers, dessa vez com muito mais enfoque. Dá pra dizer que a primeira parte do filme é dedicada apenas ao que não vimos nos outros: como era o serial killer na infância, como foram seus encontros com o Dr. Sam Loomis antes que o próprio desistisse de seu paciente – Rob Zombie nos disponibiliza sua versão do que foi mostrado, mas também do que só foi dito.
Quanto à proposta estilística, tenho alguns comentários. Há aqui um uso excessivo de pouca profundidade de campo (ou seja, temos muito fundo desfocado) – e isso é uma coisa que, se você for atento, realmente pode te distrair um pouco. Talvez tenha sido uma tentativa (consciente ou inconsciente) de fazer parecer que o filme fosse mais caro do que de fato foi. Algo que achei interessante é como Zombie usa de planos super fechados e câmera trêmula para emular o sentimento das vítimas quando atacadas – mais do que gravar, a câmera sente. Esse é um dos jeitos certos de usar esse artifício.
Alguma parte da decupagem não é convencional como na gigantesca maioria dos filmes anglófonos – o diretor compõe o quadro periodicamente com coisas ao redor das figuras principais, demarcando um corte pra onde você deve olhar. A própria montagem não fragmenta tanto o espaço dramático, o que dá mais fluidez à algumas das cenas.
É interessante que mesmo com escolhas formais menos convencionais, Rob se dedica a recriar alguns dos planos mais famosos do clássico de 1978. Ele, um fã declarado da saga, também presta algumas outras homenagens, algumas explícitas, outras implícitas.
O terceiro ato do filme, nomeado “doces ou travessuras” deixa de lado o ponto de vista original e autoral para refazer grande parte do arco final do filme de John Carpenter. Isso só faz mal ao longa aqui criticado, já que comparações são inevitáveis, o que é bastante nocivo ao longa sobre o qual aqui se fala, já que, por melhor que seja a direção de Rob Zombie, a confrontação entre essa e a original é mortal ao mesmo.
Halloween – O Início é efetivo em reimaginar a história contada por Carpenter e Hill no final dos anos 70, mas se perde no terço final, quando foge da reimaginação ao ser seduzido pela recriação. É uma obra interessante que funciona bem pro fã capaz de pegar as referências e tributos; não sou capaz de afirmar que esse é o caso de alguém que nunca viu nenhum filme com Michael Myers, provavelmente indicaria começar pelo original ao invés de cair de paraquedas aqui.
PS: Esse sangue escuro (em alguns momentos quase preto) me agrada muito, e a máscara é a melhor dentre todos os filmes — ah, e porque todo mundo tem cabelo comprido Zombie? – e o Michael Myers de 2,06m daria medo no de 1,78m original.