Crítica de filme

Little Joe

Publicado 5 anos atrás

O gênero de ficção científica quase sempre é usado para questionar a sociedade contemporânea sob uma fachada fantástica. Por mais que sejamos apresentados a mundos impossíveis ou futuros sombrios, a mensagem de um bom exemplar de ficção científica vai invariavelmente refletir quem somos hoje. Uma das obras que mais popularizaram o gênero nessa década é, sem sombra de dúvidas, Black Mirror – a série inglesa que depois foi adquirida pela Netflix traz em cada um dos seus episódios uma fábula moderna sobre os efeitos dos avanços tecnológicos na nossa sociedade. Sucesso mundial, acabou por gerar várias outras produções similares com os mais variados graus de qualidade. É aí que entra Little Joe.

Nele somos apresentados a Alice, uma cientista cujo trabalho envolve a criação de novas espécies de plantas. Mãe, solteira, Alice dedica a maior parte do seu tempo aos seus projetos, se sentindo culpada por não conseguir dar mais atenção ao seu filho Joe, tema recorrente nas suas sessões de terapia. Quando finalmente obtém sucesso criando uma planta que, ao ser bem cuidada desabrocha exalando um perfume que faz com que as pessoas se sintam felizes, Alice decide levar um exemplar da planta para seu filho. No entanto, a planta, apelidada de Little Joe, parece fazer mais do que aparenta, fazendo com que Alice desconfie de tudo e de todos.

Mas mesmo com uma premissa tão interessante quanto essa, o longa insiste em uma abordagem que parece interessada somente em construir uma tensão que acaba por não se justificar. Até a óbvia crítica a indústria farmacêutica – os projetos são acelerados para serem lançados a tempo de uma feira que daria grande visibilidade às Little Joes e consequentemente mais lucro para a empresa -, é feita de maneira tímida, mostrando até um bom grau de cuidado com a segurança dos possíveis compradores da planta. A sensação de paranoia que Alice começa a viver até tem seus momentos, mas o fato dos efeitos da planta não serem perceptíveis ao mesmo que tempo em que contribui para essa atmosfera, não nos deixa preocupados com o que pode acontecer com a protagonista. Aqueles afetados pelo pólen da flor continuam agindo basicamente da mesma forma que antes, salvo por algum comentário de que “fulano parece diferente”.

As únicas características redentoras do filme encontram-se no seu elenco e na direção de arte. Emily Beecham foi a vencedora do prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes justamente por este trabalho, alternando muito bem entre o distanciamento dela com o filho e sua paranoia acerca dos acontecimentos em seu trabalho. Fazem parte do elenco também Ben Whishaw, como um dos colegas de trabalho e interesse romântico de Alice, e Kit Connor como o Joe original, filho de Alice. A direção de arte constrói um mundo de cores primárias bem interessante, com o laboratório de cores frias contrastando com o vermelho vivo da flor título.

Uma pena que tudo isso é descartado ao ser ligado a um roteiro fraco, aliado a uma trilha que tenta nos deixar constantemente desconfortável, mas que só consegue irritar o espectador, e um final aberto que por mais que pareça proposital para estimular interpretações diferentes seja mais um caso de falta de criatividade de bolar um desfecho mais satisfatório.

Ao final você pode perfeitamente dizer que esse filme é “muito Black Mirror“. Só que é um dos episódios ruins.

Filme exibido no Festival do Rio 2019.

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Little Joe Poster

Little Joe: A Flor da Felicidade

Little Joe
País: EUA
Direção: Jessica Hausner
Roteiro: Jessica Hausner, Géraldine Bajard
Elenco: Emily Beecham, Ben Whishaw, Kerry Fox
Idioma: Inglês

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