Manuela (Mônica Iozzi), uma publicitária renomada, que depois de ficar grávida de seu colega de trabalho, vê sua vida transformada pela maternidade.
Já nessa curta sinopse, é nítido que o assunto abordado em Mar de Dentro, filme da diretora Dainara Toffoli, é carregado de força e e cheio de camadas profundas. A profissional bem sucedida, que trabalhou tanto para chegar onde chegou, ainda é, aos olhos julgadores da sociedade, estigmatizada por suas escolhas.
E além disso, o peso de sua autocobrança pela própria posição que conquistou na empresa nos revela os motivos pelos quais Manuela reluta tanto em “se jogar” em um relacionamento. Contudo, Beto (Rafael Losso), consegue romper suas barreiras e acessar o lado mais afetuoso e despreocupado da protagonista. E depois disso vem a surpresa da gravidez.
O filme já havia permeado os assuntos mais intrínsecos de uma mulher de forma interessante, revelando os motivos pelos quais a protagonista não conseguia amar sem romantizar as situações, mas sendo claro nos recados que quer passar – como na cena em que Manuela descobre a novidade. Neste momento, com a câmera em close, vemos o potencial artístico de Mônica Iozzi, mesmo que em alguns momentos sua atuação seja caricata (e não por culpa dela).
Entretanto, é no segundo ato que a trama realmente se desenvolve. Apesar do enfoque feminino, a protagonista não se enquadra nos moldes comuns de representações da maternidade no meio cinematográfico. Depois da gravidez, que sela o destino de Manuela, a estória entra em situações reais e tensas que, aos olhos de quem está habituado a ver filmes que romantizam a gravidez, é doloroso de testemunhar.
Além disso, o filme nos mostra todos os desafios de todas as fases de gestação, desde o momento em que Manuela precisa, ou melhor, decide se acostumar com a ideia de ter um filho em meio a tantos acontecimentos, até os primeiros anos de maternidade, em que são colocados à prova todo o discurso do “poder da mulher” no meio profissional. Questiona-se também os modos que uma mãe decide criar um filho.
No entanto, é importante comentar que, logo no início um homem “impõe” a sua decisão no sentido de Manuela continuar a gravidez. Por inúmeras vezes na trama, a personagem não acha que o momento é ideal, principalmente por causa seu trabalho e sua dedicação a ele, mas Beto (Rafael Losso) ultrapassa (novamente) a linha quando pede à Manuela que dê continuidade à gestação.
A partir daí, forma-se o questionamento: Manuela vai aceitar sua própria escolha e finalmente decidir experimentar uma nova rotina? O momento não era realmente ideal e focar na carreira era mesmo fundamental, independente de sua idade?
Essas questões apenas reforçam a intenção do filme, que não é criar atos heroicos de amor, mas sim desafiar a crença da sociedade de que família e filhos podem salvar qualquer coisa e estão acima do simples fato de ser mulher.
Ainda assim, por meio de diálogos e situações (algumas dos quais são forçadas na trama), Mar de Dentro mostra o quanto o julgamento social ainda sobrecarrega as mulheres. Embora Manuela veja a maternidade como um negócio – é preciso dividir tarefas, calcular despesas e administrar o tempo -, o filme nos faz refletir sobre o motivo de uma mulher não pode ver a maternidade dessa forma. Afinal, apesar do amor incondicional, nada tira as responsabilidades que precisam ser colocadas em pauta.
Por fim, nos quesitos mais técnicos, Mar de Dentro possui falhas quanto ao desenvolvimento de personagens e na passagem do tempo, detalhes que poderiam fazer o longa ser mais memorável se fossem melhor trabalhadas. Sem sutileza, seu desenvolvimento fica mais raso, e a obra menos forte. Mesmo assim, fica a reflexão sobre os desafios e a verdade do que é ser mulher e mãe.
