Crítica de filme

Memórias de um Caracol

Publicado 1 mês atrás
Nota do(a) autor(a): 5

Após 15 anos desde Mary e Max (2009), seu aclamado e único longa-metragem, o australiano Adam Elliot está de volta às telonas com seu novo filme, Memórias de um Caracol. A animação em stop motion segue a linha de seu antecessor ao lidar com temas como solidão, vínculos humanos, traumas e crescimento, de forma excêntrica e ácida.

Na trama, acompanhamos a vida de Gracie Pudel (Sarah Snook), uma mulher melancólica obcecada por caracóis desde sua infância. Com a morte de sua melhor amiga Pinky (Jacki Weaver), Gracie conta sua história para seu caracol Sandy, e somos apresentados aos seus primeiros anos de vida, sua relação com seu pai, Percy (Dominique Pinon), um carinhoso ex-malabarista, paraplégico e alcoólatra, e seu irmão gêmeo Gilbert (Kodi Smit-McPhee), um pirofagista tímido e corajoso. Após a morte de seu pai, os irmãos são separados e colocados em novas famílias adotivas, traçando rumos diferentes, mas mantendo o sonho de se reencontrarem.

O elenco do filme ainda conta com participações de Eric Bana e do cantor australiano Nick Cave.

Se desde seu curta-metragem vencedor do Oscar de Melhor Animação, Harvie Krumpet (2003), o diretor já havia apresentado um estilo único de animação em stop motion, com personagens excêntricos na narrativa e texturas e formatos inusitados em suas composições, aqui ele mostra que pode evoluir ainda mais em suas técnicas, sem deixar de abordar temas antigos sob novas perspectivas.

O diretor demonstra domínio na condução da trama, sabendo preparar contextos e emoções em uma cena que terão viradas impactantes e emocionantes pouco depois. A trilha sonora com violinos costura um ambiente peculiar e fascinante desde os primeiros minutos. Toda a história narrada por Gracie é fluida, encontrando momentos em que a narração passa para a perspectiva de seu irmão Gilbert, com uma trama tão fascinante quanto a da protagonista, levantando críticas ao fundamentalismo religioso, trabalho infantil e homofobia.

O universo que o autor constrói para seus personagens é dominado por acasos e coadjuvantes excêntricos. É comum encontrarmos excelentes piadas ligadas à inocência da protagonista em sua fase de infância, com temas adultos longe de seu conhecimento. O humor do filme é dosado nos momentos certos, trazendo mais leveza para a narrativa, carregada de tragédias na vida de Gracie.

A relação entre os irmãos é o ponto-chave de Memórias de um Caracol. No primeiro ato, é dito que ambos nasceram com duas almas e um só coração, o que resume muito bem a relação entre eles. Com poucos minutos, já sentimos uma conexão forte nesse vínculo, que se mantém por toda a narrativa. O contraste entre as famílias adotivas, tão diferentes, e o universo ao redor de cada um explora as distintas formas de solidão dos personagens. Há muita angústia e aflição por um reencontro em família.

Há também simbolismos entre os irmãos, apresentados desde o primeiro ato, sendo o caracol de Gracie essa figura pequena, indefesa e com tendências ao isolamento, e o fogo em Gilbert, com senso de justiça, impulsividade e rebeldia. Esses signos aparecem ao longo da trama na vida de cada um em outros contextos. O fogo pode ser um agente destruidor, mas também uma ferramenta de conforto. A concha do caracol, apresentada como ferramenta de proteção, pode ser vista como isolamento. Vemos também hábitos familiares sendo repetidos durante a jornada dos irmãos como forma de resistência às adversidades em suas vidas.

A inserção da personagem Pinky traz novas perspectivas para a narrativa e para o desenvolvimento de Gracie. Sua excentricidade cativa o espectador, fazendo o papel de uma mentora improvável e carismática, protagonizando alguns dos momentos mais tocantes do longa. Muito da ideia de otimismo e do desenvolvimento de Gracie passa por Pinky, embora sua participação no longa seja breve e acabe sumindo durante alguns poucos blocos do filme.

Memórias de um Caracol é um filme emocionante, que destaca a importância do otimismo e dos laços fraternos em meio às dificuldades de crescer. É também uma animação sensível e inspiradora para todos aqueles que, assim como Gracie, se sentem como um caracol se fechando ao mundo à sua volta com sua concha e querem se libertar, seguindo em frente sem olhar para trás.

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Memórias de um Caracol

Memórias de um Caracol

Memoir of a Snail
País: Austrália
Direção: Adam Elliot
Roteiro: Adam Elliot
Idioma: Inglês, Francês

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