Embora não seja tão conhecida do grande público e tendo produzido relativamente poucas obras, a carreira da polonesa Dorota Kędzierzawska atingiu 40 anos em 2020. Cineasta lapidada na Escola Nacional de Cinema de Lódz, por onde passaram Roman Polanski, Krzysztof Kieslowski, Zbigniew Rybczynski, Andrzej Wajda e Wanda Jakubowska, por exemplo, ela especializou-se posteriormente em direção na escola soviética de filmagem, naturalmente sofrendo grande influência desses dois estilos de abordagem cinematográfica e também do cinema do Leste Europeu propriamente dito, trazendo em sua filmografia amargos e distantes relacionamentos, além de captar os ambientes abertos e fechados de forma cativante e narrativamente relevantes. Logo em seu primeiro longa, O Fim do Mundo, trouxe um sensível e sólido trabalho, em que a solidão é impressionante.
Os inúmeros planos detalhe que compõem a obra apresentam o caminho já trilhado pelo casal de idosos cujos nomes jamais são ditos. A pele fragilizada de suas mãos é reflexo do tempo que se passou, mas também do desgaste sofrido pela relação de décadas juntos. Sob esse prisma de mútua tolerância, o espectador (telespectador, pois seu lançamento foi para a TV) lentamente presencia o resultado do definhar do ser humano através dos anos, através da passagem desses anos, e como o tempo pode ser cruel e impiedoso física e mentalmente para todos nós.
Pautado sob pouquíssimos (mesmo!) diálogos – o primeiro ocorre apenas no décimo sexto minuto de projeção -, O Fim do Mundo faz jus à famosa frase do cineasta e crítico de cinema Jean Mitry: “Os filmes, antes de mais nada, são imagens!”, salientando que aquela história não precisará ser contada de maneira expositiva, pois o visual se encarregará de transmitir a mensagem, haja visto que a trilha sonora desempenha um papel absolutamente fundamental e remetendo à pureza e ao distanciamento do casal em igual escala. Importante também a trilha diegética oriunda do antigo rádio, estabelecendo o conflito e exemplificando que a comunicação não é tão simples assim.
O roteiro escrito pela própria cineasta trata ainda de apresentar as facetas de cada personagem de maneira doce, onde encontra nas pequenas coisas algum alento quanto ao bom e velho sorrir. Ao passo que a esposa (Emilia Ziólkowska) acha graça na dificuldade que o esposo (Antoni Majak) encontra no simples ato de pregar um botão em uma blusa, ele demonstra certa criancice em dois momentos: quando desabafa “Eu vou embora!” e quando traça estrategicamente barbantes pelas paredes visando atrapalhar sua esposa enquanto ela varre a sala. Inclusive, o design de produção é tão eficaz que mesmo apresentando um lar claustrofóbico ainda consegue transmitir um sentimento de paz no local.
A janela – elemento que age como símbolo fortíssimo nas narrativas, assim como o espelho – mais uma vez representa a fuga almejada por ambos, mas não sabem com que destino, fruto de uma vida de dedicação e doação ao outro e que agora pensam não fazer mais tanto sentido assim. Notável o cuidado de Kędzierzawska e seu diretor de fotografia ao posicionar a câmera (leia-se: o olhar da audiência) distante do casal sentado à mesma janela, mas com um discreto filete de pano que os separa.
Ambientado praticamente em um único cenário, O Fim do Mundo tece paralelos entre redenção/perdição através das situações cotidianas de fácil identificação. Relacionamentos não são simples, nem discriminam explicação. Os ponteiros do relógio insistem em girar, tal qual as folhas do calendário insistem em serem arrancadas todos os dias pelas mãos de pele fina. A velhice nem sempre é digna de adoração e a passagem do tempo é brutal. Assim, tristemente aceitável observar a senhora de olhar profundo regar cuidadosamente seu vaso em um gesto de amor e esperança, enquanto suplica a Jesus Cristo por salvação.