À sombra da polêmica que envolve seu diretor, estreia o bom ‘O Oficial e o Espião’ | Crítica

'O Oficial e o Espião' mostra que não há nada como uma boa manifestação pública de desprezo para promover uma obra...

A cerimônia de premiação do César Awards, ocorrida no dia 28 de fevereiro, provocou um escarcéu de larga proporção em relação ao Oscar Francês. A atriz Adèle Haenel, uma das protagonistas do aclamado longa Retrato de Uma Jovem em Chamas, abandonou o recinto onde acontecia o evento, seguida logo após por vários de seus pares em protesto, e as manifestações de repúdio se espalharam pelo mundo afora depois do anúncio de que O Oficial e o Espião, novo filme de Roman Polanski tinha conquistado três prêmios, incluindo melhor diretor.

o oficial e o espião Jean Dujardin e Louis Garrel

O caso é que, foragido desde o final dos anos 70, o cineasta é mal visto por ter se envolvido num caso de abuso de menor, porém tais atos de rejeição também serviram para dar maior notoriedade e publicidade gratuita à obra, que liderou as bilheterias da França na primeira semana de lançamento na França, mesmo que muitos críticos nos quatro cantos do planeta tenham se negado a assisti-la, num boicote deliberado. Outros, porém, de uma forma ou de outra, conseguem separar o homem abusador do homem profissional.

Não obstante, mesmo à sombra da polêmica envolvendo Polanski, O Oficial e o Espião está aí, ganhando prêmios para desgosto geral e, questões alheias à parte, como Cinema é uma boa obra que pode ser facilmente relacionada com as experiências pessoais do diretor.

A trama gira em torno de acontecimentos reais de fins de século XIX, na França, quando o capitão Alfred Dreyfus (Louis Garrel), é acusado de trair sua pátria e sentenciado a uma vida de isolamento total na Ilha do Diabo. Entretanto, quando novos indícios do crime começam a aparecer, o Coronel Georges Picquart (Jean Dujardin) começa a desconfiar de que ele talvez seja inocente.

o oficial e o espião Jean Dujardin

Com essa premissa, O Oficial e o Espião fala da justiça parcial e sufocante de um sistema preconceituoso e falho que macula a sociedade que promete proteger, fato que claramente inspirou Polanski no desenvolvimento do filme e que ele retrata a todo o tempo. São vários os elementos, tanto psicológicos como físicos, que demonstram essa claustrofobia sistêmica ao longo dos 132 minutos de história. Cita-se como exemplo o escritório do Coronel Picquart, situado em um prédio com a incômoda aparência de abandono e cuja janela ele nunca conseguiu abrir. Ali nem luz nem brisa eram bem-vindas.

Porém, a cena que mais evidencia a intenção do diretor com esse longa é aquela em que Dreyfus vai confrontar Picquart, perguntando se o coronel o estava prejudicando por ser ele, Dreyfus, judeu, ao que o coronel responde: “Se está me perguntando se eu gosto de judeus, a resposta é não. Agora, se está perguntando se eu o prejudicaria nas questões profissionais por ser judeu, a resposta é não.”

Ironicamente, estamos falando de um filme em que a questão moral figura como ponto central, ilustrada pela bela atuação de Jean Dujardin e emoldurada por tons esmaecidos, puxados para o amarelo, evidenciados pela película na lente da câmera que dá a sensação dos tempos passados do século XIX. A caracterização dos personagens é impecável; a beleza dos uniformes azuis e vermelhos do exército francês salta aos olhos; bem como chama a atenção a marca que caracterizava o sexo masculino naquela época: os fartos bigodes, solitários nos rostos bem barbeados.

bigode

Ademais, o enredo (não muito dinâmico) da história se passa quase em sua totalidade em ambientes burocráticos, alternando-se entre o escritório de Picquart e as instalações das mais altas patentes da força militar francesa. Fora isso, de vez em quando temos vislumbres da Ilha do Diabo – onde Dreyfus sofria cumprindo a pena de um crime que não cometeu -, bares e locais festivos.

Não obstante, mesmo conhecendo a história de um homem notadamente dotado de alto grau de valor moral, e aqui eu continuo me referindo ao coronel Picquart, que dedicou a vida ao exército de seu país sem um resquício de desonra sequer, Polanski ainda dá um tapa de luva na sociedade, mostrando que, em sua vida pessoal, o militar seguia uma ética menos rígida, já que mantinha relações amorosas com uma mulher casada sem qualquer culpa.

Jean Dujardin e Emmanuelle Seigner

Por fim, vale chamar a atenção do leitor para o nome original de O Oficial e o Espião, J’accuse, que se traduzido para o português, significa, “eu acuso”. Sendo assim, Polanski mostrou que, em que pese ser um abusador declarado, também é bom profissional. Ninguém pode acusa-lo de não ser bom diretor. O grande reconhecimento do filme na premiação do César é explicável, porém injustificável.

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Nota do(a) autor(a)

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o oficial e o espião poster

132 min min

País: França

Elenco: Jean Dujardin, Louis Garrel, Emmanuelle Seigner

Idioma: Francês

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