Desde o começo dos tempos é muito comum que as pessoas – ou pelo menos um grupo delas – sejam comparadas a animais. Você tem olhos de águia, fome de leão, tem mais filhos que um coelho, gosta de dar abraço de urso e por aí vai. Mas em O Tigre Branco (The White Tiger), do diretor Ramin Bahrani, que estreou recentemente na Netflix, nós temos complexo de galinha! Bem menos glamouroso, é verdade, mas a analogia se mostrou perfeita. As aves ficam ali, amontoadas e dóceis, vendo suas companheiras sendo mortas e depenadas, sem nunca se revoltarem ou tentarem fugir, aguardando sua vez de terem seus pescoços quebrados. Está na natureza delas, assim como está na natureza de 99,9% da população humana. Então, uma vez a cada geração, nasce um tigre branco, um animal forte e feroz que de destaca dos outros como a lua clara no céu escuro.
Baseado na obra literária de mesmo nome de Aravind Adiga, essa é a história de Balram (Adarsh Gourav), um jovem indiano ambicioso que usa de sua inteligência e astúcia para se tornar um tigre branco e fugir do galinheiro, ou em outras palavras, para escapar da pobreza e ascender ao topo. Para isso, ele vira motorista de uma família abastada e, então, sua jornada começa.
Tendo em vista o mote que apresenta, não posso dizer que o filme é uma obra a frente de seu tempo, mas mostra um retrato perfeito da sociedade atual, um cenário que já vem sendo construído discretamente há décadas: a era da supremacia amarela, o momento dos asiáticos. Você pode achar que está assistindo à simples narrativa de um homem pobre que subiu na vida, mas na verdade O Tigre Branco é uma aula de política focada na História recente. Os filmes sempre mostram a verdade, bastando apenas estar atento o suficiente para enxergar.
Não se pode dizer, todavia, que a película de Bahrani possui uma mensagem subliminar. Muito pelo contrário, ela está lá escancarada num roteiro que, pessoalmente, considero arrasador e pesado ou, para dizer o mínimo, triste, mas genial em sua construção. Para começar, estamos falando de duas potências, Índia e China, que se relacionam através de uma carta escrita por Balram ao primeiro-ministro chinês. A narrativa se desenvolve à medida que essa missiva vai sendo escrita e toma forma enquanto o público sente o coração pesar cada vez mais.
Assim, a pena que sentimos da condição de miséria de Balran – situação agravada pela avó (Kamlesh Gill) opressora e dominante que ele tem -, se transforma em desconfiança e, no final, simplesmente não há como definir o que se sente. O ato final mistura a sensação de justiça com a de asco e horror e, no entanto, existe uma inevitabilidade que somos forçados a aceitar. Qualquer senso de moral e capacidade de julgamento se perde em meio a um contexto tão feroz que nós, os espectadores, ficamos perdidos numa espécie de limbo deontológico.
E na verdade, o mecanismo que ele ilustra é tão simples… Os donos do dinheiro, representados pelos patrões de Balram – em sua maioria homens sem qualquer sentimento patriota ou ideologia política que não seja aumentar ainda mais sua conta bancária – manipulam o galinheiro através de atores como A Grande Socialista (Swaroop Sampat). Esses atores, por sua vez, em sua arrogância, acham que detêm o poder e a ética nas mãos, mas na verdade, são apenas um cabresto, ou talvez, para continuar usando a ideologia do filme, galinhas mais fortes que mantém as outras quietas em seu galinheiro, seja lá no oriente, ou aqui, no ocidente, seja num ambiente dividido em castas ou numa pseudo democracia.
O Tigre Branco é polêmico assim, necessário assim, paradoxal assim. Um filme que te deixa sem palavras e vai te levar para o travesseiro com a cabeça explodida.
Respostas de 6
Muito boa critica Flávia,um filme necessário,que levam a vários questionamentos da sociedade democrata/ capitalista.
Obrigada!!! Fico feliz que tenha gostado!
Þescreveu Exatamente o que senti assistindo o filme;uma mistura de asco e horror e a sensação de estarmos em um galinheiro manipulados e esperando a morte chegar.. affff…
Que bom que gostou, Geralda, é bem tenso o filme mesmo…
Bem intrigante essa crítica! Deu vontade de assistir de imediato!
Que bom que gostou!!!