Cinebiografias de artistas musicais têm tomado as telonas nos últimos anos. Personalidades como Amy Winehouse, Elton John, Freddie Mercury e Elvis Presley ganharam seus longa-metragens, o que criou uma certa fórmula para mesclar suas trajetórias, conflitos com a fama, criação de hits musicais e superação de desafios nestes filmes. Peça por Peça busca, em partes, subverter a forma estilística das cinebiografias, misturando dramatização, documentário e animação em Lego, ao mesmo tempo que cria uma mitologia em torno do cantor e produtor musical Pharrell Williams.
Dirigido por Morgan Neville, a trama apresenta os blocos Lego contando, de forma inusitada, a história de vida do cantor, compositor e produtor musical Pharrell Williams, desde sua infância na Virgínia até seu sucesso nas indústrias da música e da moda.

Instável em tom, mas eficiente em suspense e tensão, ‘Drop: Ameaça Anônima’ cumpre sua proposta e entretém ao longo de sua duração.
A direção mescla o estilo do documentário, captando depoimentos de Pharrell, familiares, amigos e outros artistas importantes que participaram de sua trajetória, enquanto dramatiza momentos-chave da carreira do artista. Os momentos de conversa entre o diretor e o rapper são divertidos e leves, trazendo uma imersão à trama bastante convidativa.
O filme é autoconsciente, com a leveza de uma trajetória de um artista pouco polêmico e a estética de uma animação Lego, muito ligada ao público infantojuvenil. Essa decisão encontra soluções divertidas ao abordar, por exemplo, o uso de maconha em um segmento com o rapper Snoop Dogg.
O que mais chama a atenção no filme é a representação visual do processo criativo de composição de Pharrell. O cantor revelou recentemenete que possui Sinestesia, uma rara condição em que seus sentidos são misturados, possibilitando ver cores e luzes a partir da música. As cenas de composição lembram segmentos da animação Ratatouille, da Pixar. Os beats, ao final, resultam em peças de Lego bizarras, coloridas e pulsantes, posteriormente tornando-se hits de grandes artistas como Jay-Z, Pusha T e Gwen Stefani.
O universo ao redor de Pharrell é fantasioso e colorido. Sua ligação com o mar, Netuno e a música cria analogias e signos profundos. Vemos o impacto desse universo se transformando à medida que novos personagens são inseridos na história, como a entrada de Kendrick Lamar, quando o cenário torna-se acinzentado, semelhante à capa do álbum To Pimp a Butterfly.
Há ótimas piadas visuais que são constantemente utilizadas, como personagens explodindo, processos frenéticos de produção de músicas em estúdio, analogias sendo retiradas ao pé da letra, dentre outras. As possibilidades com o Lego são exploradas ao máximo de forma criativa, ao mesmo tempo que são bem trabalhadas em termos de iluminação dos bonecos e composição de quadros.
Porém, o filme sofre em apresentar grandes conflitos. A essa altura, encontra-se um padrão de antagonistas na forma de produtores e empresários mesquinhos buscando lucro acima de tudo. Em Peça por Peça, eles não possuem nome, são inseridos em um pequeno segmento do filme e facilmente superados. A sensação que passa é que a trajetória, frente ao talento criativo de Pharrell, foi ou muito simples e inevitável, embora apontada por diálogos como não sendo fácil, ou foi cortada para permanecer em um terreno mais seguro e longe de polêmicas.
Peça por Peça entrega uma das experiências mais divertidas sobre a trajetória de um artista mundialmente reconhecido, misturando o melhor do Lego e das cinebiografias, além de apresentar novas possibilidades para contar histórias das maiores personalidades do mundo da música. Mesmo pecando em trazer grandes desafios para o protagonista, o filme reforça a criação de uma mitologia em torno da genialidade de Pharrell Williams.